"Amigas para Sempre" consegue divertir mesmo com trama pouco autêntica.
Quem aí já se identificou com as amizades apresentadas em séries e filmes?! (Eu!) Difícil não se emocionar e rir ao recordar dos diálogos ágeis e entrosados de personagens como Meredith Grey (Ellen Pompeo) e Cristina Yang (Sandra Oh) em Grey’s Anatomy, ou não se divertir com Rachel (Jennifer Aniston), Ross (David Schwimmer), Monica (Courteney Cox), Chandler (Matthew Perry), Phoebe (Lisa Kudrow) e Joe (Matt LeBlanc), o elenco marcante de Friends. A leveza de uma amizade verdadeira sempre nos reserva ótimos enredos. Até porque nem sempre a química é feita exclusivamente a partir do romance. Quando há sintonia real entre personagens que nutrem esse tipo de vínculo afetivo, é natural que nos envolvamos imediatamente com as tramas.
Trazendo de volta um grande nome do gênero comédia dramática, a atriz Katherine Heigl, Amigas para Sempre (Firefly Lane) é uma série original Netflix que aposta nos dilemas familiares tendo como cerne uma forte amizade. Baseada no romance de mesmo nome e desenvolvida por Maggie Friedman, conhecida por produzir a série televisiva Dawson’s Creek, a série conta com dez episódios e foi lançada no catálogo no dia 03 de fevereiro.
A série narra a história de duas amigas ao longo do tempo. Tully Hart (Katherine Heigl/Ali Skovbye) é uma apresentadora de TV bem sucedida, que teve, no entanto, uma infância extremamente complicada. Além de nunca ter conhecido o pai e tampouco saber quem ele é, Tully foi criada por uma mãe dependente química, irresponsável, o que resultou em inúmeros traumas e basicamente nenhum exemplo afetivo em sua vida, razão pela qual desde nova ela tem dificuldades para se envolver emocionalmente com as pessoas. Quando ela, ainda adolescente, e sua mãe se mudam para Firefly Lane (nome da série originalmente), Tully conhece Kate Mularkey (Sarah Chalke/Roan Curtis). De personalidade oposta, Kate é a típica nerd, introverdida, que sofre bullying na escola e tem poucos amigos. Mesmo com suas diferenças, as duas encontram uma na outra uma válvula de escape do mundo atribulado e a partir daí nasce uma amizade que perdura até a vida adulta. Nessa nova fase, Kate está em processo de divórcio, enquanto lida com o desemprego e uma filha adolescente.
O show passeia entre linhas temporais distintas. Acompanhamos a adolescência das duas, a juventude na qual trabalham na mesma emissora e a vida adulta, sendo que esta última fase também é mostrada com uma passagem de tempo de dois anos, numa tentativa do roteiro (falha, devo dizer) de nos instigar ao longo da temporada a desvendar o mistério por trás de um velório que aparece em algumas cenas distribuídas entre vários episódios. O questionamento sobre de quem é o velório perdura bastante, até encontrar seu desfecho decepcionante. É como eu sempre digo, às vezes o bom e velho clichê é melhor do que apostar em algo completamente esquecível.
A mola propulsora do enredo é certamente a amizade entre as duas, por vezes abusiva, tenho que alertar, já que Kate às vezes simplesmente figura na vida da controladora Tully. Mesmo com personalidades falhas, suas ações nos permitem mergulhar em seus sentimentos e torcer por ambas. Até porque uma amizade utópica e perfeita não seria nada palatável, nem comercial.
Devo ressaltar que Roan e Ali performam as protagonistas ainda adolescentes com perfeição. É uma fase que dá prazer de acompanhar e o vínculo desenvolvido pelas personagens fica tangível, assim como os dramas da idade, a exemplo do bullying, o abuso sexual abordado de forma enfática logo nos primeiros episódios, a violência doméstica, bem como a sexualidade apresentada por meio do irmão de Kate, Sean (Jason McKinnon/Quinn Lord).
Mas não tem como falar dessa série sem falar da polêmica Katherine Heigl. A atriz cuja carreira decolou por um período enquanto ainda interpretava a Dra. Izzie Stevens do sucesso Grey’s Anatomy e ao protagonizar comédias românticas de sucesso como Vestida para Casar (2008) e A Verdade Nua e Crua (2009), acabou se afastando dos holofotes ao se envolver em polêmicas nos bastidores e por ficar conhecida por falar mal dos próprios trabalhos, sendo assim um verdadeiro terror para os roteiristas. Agora, ela está de volta, em uma nova oportunidade, e se apropria muito bem do papel, trazendo uma personagem essencialmente divertida, mas ao mesmo tempo difícil de se lidar, devido as inúmeras marcas deixadas pelo seu passado. Sarah, por sua vez, traz uma personagem mais leve, desastrada e que completa bem a parceria, apesar de ser facilmente ofuscada, pelo brilho natural de Heigl e conveniência do roteiro.
É perceptível que as idas e vindas no tempo parecem querer lembrar a tão bem sucedida série This is Us, pois ao retratarem o passado dos personagens, acabamos por nos vincularmos mais fortemente a eles. Por outro lado, é justamente aí que a série comete algumas falhas.
Pra começar, temos o uso dos mesmos atores e atrizes em mais de uma linha temporal. A maquiagem deixa algumas vezes a desejar, como é o caso da mãe de Tully, que mostra apenas o cabelo mais branco e algumas rugas pouco críveis. Essa mesma falha também acontece com a mãe de Kate. Os demais personagens usam penteados um pouco diferentes e são igualmente reaproveitados, embora nem sempre o visual convença.
Enquanto passeia no tempo, a série sobretudo se concentra nos dramas individuais. De um lado temos Tully buscando crescimento na carreira enquanto leva uma vida amorosa bem desajustada, ao passo que do outro nos deparamos com a jornada de Kate se apaixonando pelo chefe, que como percebemos logo se tornará seu marido e futuro ex. O roteiro acaba tentando contar, enquanto isso, várias outras histórias paralelas e perde-se em si mesmo. Um exemplo é a ocasião em que Johnny (Ben Lawson) ainda em sua fase jovem vai fazer uma matéria fora do país e acaba com um companheiro assassinado. É notável a desnecessidade daquilo para a trama, sendo um acréscimo pra lá de desinteressante.
Lacunas são deixadas para uma segunda temporada e estas são somadas a um novo mistério que tenta apagar a resolução brega dada a aquele que margeou a temporada inteira. Ainda não há confirmação de segunda temporada, no entanto. Mesmo com alguns problemas de construção, não dá pra negar que as duas protagonista cativam, divertem, emocionam e é possível se enxergar nas situações e contextos propostos. Pra quem não se enxerga de alguma maneira, talvez a série não passe de mais uma do gênero. Espero ver uma segunda temporada, caso haja renovação, mais madura e mais fluida, sem se apegar na obrigação de imitar outras obras do segmento, afinal bom elenco Amigas para Sempre tem de sobra.
Nota: 7,0
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