"Anitta: Made in Honório" tira a blindagem da cantora e entrega sua versão mais realista.

Os números são expressivos, ou melhor, impressionantes. No Instagram, a cantora já soma mais de 50 milhões de seguidores. Os números no Youtube impressionam ainda mais por ultrapassarem a marca de 5 bilhões de visualizações. Esse é o fenômeno musical Anitta, que entrega mais uma série documental que já está dando o que falar.

Larissa de Macedo Machado, a nossa Anitta, conta um pouco mais de sua vida em seis episódios, no documentário Anitta: Made in Honório lançado no dia 16 de dezembro. Dessa vez, a série explora aspectos mais profundos da cantora, com uma pegada bem mais familiar, sem deixar é claro de explorar seu lado empresarial.


Nascida em Honório Gurgel e de origem simples, acompanhamos o crescimento exponencial da artista, anteriormente conhecida como Mc Anitta, que agora se consolida cada vez mais no mercado nacional e internacional. Um dos temas discutidos ao longo dos episódios é justamente o quanto é difícil para o brasileiro valorizar aquilo que é dele. O preconceito com o funk é debatido a partir de depoimentos da própria cantora, assim como familiares e profissionais da área. O estilo musical que nasceu nas periferias, ainda é visto com maus olhos por sua origem e por envolver letras de cunho sexual, bem como danças sensuais. A série aborda isso de forma inteligente e faz um contraste interessante ao questionar o porquê disso chocar tanto parte da população, enquanto a politicagem corrupta não. 

Vemos ainda que a medida que o funk foi apresentado ao mundo a partir de Anitta, que age como uma espécie de embaixadora do estilo, os "gringos" vêm curtindo a proposta e automaticamente aqui no país ele passa a ocupar um espaço mais significativo (Brasil sendo Brasil). Hoje a cantora mescla o funk ao reggaeton e ao pop, utilizando o inglês e o espanhol para conseguir ainda mais alcance no espaço internacional.

Seu jeito desbocado é hilário e acompanhamos diversos momentos dela com família e amigos. Diferente do primeiro documentário, que foi gravado quando Anitta ainda era casada com Thiago Magalhães, neste acompanhamos sua trajetória como mulher solteira e isso garante momentos divertidíssimos. Os rostos dos affairs da cantora são tampados por emojis, até porque como a própria diz, não são poucos.  Quem a segue nas redes sociais verá mais detalhes dos bastidores de suas férias em Aspen, onde ela conheceu sua grande ídola Mariah Carey, e da ocasião em que conheceu seu irmão e sobrinha por parte de pai.

A série revela ainda o quão controladora é Anitta em seus trabalhos. Ousadia ela certamente teve para expor esse lado dela de forma tão nua e crua. Além de ser sua própria empresária, ela opina e interfere em absolutamente tudo e se preocupa com os mínimos detalhes, desde coreografias, figurinos, iluminação, até os aspectos diretivos de seus clipes. Seu microfone inclusive tem um canal direto com a equipe e isso mostra o nível de exigência elevado da artista. Ela grita, xinga e se envolve de cabeça em cada um dos projetos e sua personalidade obcecada e perfeccionista custa-lhe a fama de chata e escrota. Em um dos relatos, o irmão de Anitta, que também é o seu diretor executivo, comenta acerca do nível de cobrança de sua irmã e de como ela ainda precisa trabalhar mais o lado de saber elogiar quando a equipe acerta e não apenas repreendê-los quanto aos erros.

Anitta é uma verdadeira máquina conhecedora de algoritmos, que faz escolhas assertivas de featuring no Brasil e no mundo. A diva, que já fez parcerias com nomes de destaque como Madonna, Maluma, Cardi B e Black Eyed Peas desmistifica aquela ideia imbecil de que mulheres que rebolam não são inteligentes, como se essas fossem características excludentes.

O lado empresarial de Anitta é apresentado com ênfase no fato dela ser atualmente sócia da Ambev. O documentário mostra que ela é uma sócia ativa da marca, interferindo diretamente no âmbito criativo da marca e lançando inclusive produtos próprios para a linha da Skol Beats, da qual é líder de criatividade e inovação. Mas nem tudo é um mar de rosas. Só por ser mulher, ela já encara inúmeras dificuldades para ser respeitada no mundo corporativo, que são ainda mais intensificadas pelo fato dela ser também um produto sensual dentro do seu trabalho musical.

Mudando um pouco a atmosfera da biografia, o lado mais emotivo da série emerge logo no primeiro episódio com um depoimento emocionante da artista ao relatar um momento impactante de sua adolescência quando sofreu violência sexual. O relato, que logo na estreia da série ganhou destaque nas mídias sociais traz diversas reflexões. Uma delas é a resposta ao questionamento que muito roda nas redes: “Por que ela demorou tanto para contar?” A resposta é simples. É necessário muitas vezes tempo para digerir a situação e se fortalecer. Porque casos como esse são os únicos onde as vítimas facilmente são julgadas e culpabilizadas pela sociedade. As mulheres enfrentam diariamente o demônio do machismo e da misoginia e parte da população ainda confunde liberdade sexual com justificativa para estupro. Estupro é CRIME! Nada justifica. Não é não, e isso vale para TODAS as mulheres.

Sendo a biografia de uma cantora, a música não pode faltar. Como pano de fundo principal temos o show que ela realizou em Madureira, embora também vejamos alguns bastidores da abertura da final da Libertadores, do clipe Combatchy e de seus ensaios para o Rock in Rio, além de outros eventos. Fica evidente que o que é vendido é muito mais que música, e sim o entretenimento completo.

O desfecho do documentário é seu show no Parque da Madureira, em Honório Gurgel seu bairro natal, onde ela replicou sua performance no Rock in Rio de forma gratuita. Mesmo doente na ocasião, ela mantém a apresentação e sua emoção no palco é tangível. Após a fala polêmica no Rock in Rio, onde ela agradece a si mesma, de frente para o lugar onde viveu e ao lado de pessoas que marcaram sua infância, ela devolve o agradecimento a aquele público em particular e a sua equipe e familiares. Aqui você entende a razão dela ser um fenômeno e o quanto ela influencia a vida de muitos. 

Quem acompanha a carreira da cantora obviamente esperava que o documentário fosse abordar algo em torno de seu conflito com a cantora Ludmilla ou até mesmo com o blogueiro Léo Dias. Talvez por motivos judiciais e pelo fato dos ocorridos serem de certa forma recentes, essas tretas ficaram de fora. Mesmo assim, o documentário é interessante tanto pra quem curte quanto para os menos atentos aos trabalhos da cantora.

Fica, portanto, a lição de que o brasileiro tem que quebrar suas barreiras limitantes e valorizar aquilo que é nosso. Não deve existir a ideologia da supremacia musical, onde se classifica determinados estilos como aqueles que são aceitáveis ou superiores. É possível sim ter preferências e ainda assim respeitar e aplaudir aquilo que não está no seu nicho.

 A artista Anitta é inegavelmente o principal fenômeno musical brasileiro da atualidade, que consegue debochar dos rótulos que recebe para se empoderar e utiliza de sua visibilidade para apoiar diversas causas. Após sete anos anos do Show das Poderosas é bom destacar pra quem ainda a questiona ou que achava que ela seria apenas uma febre passageira, que ela veio pra ficar.


Nota: 7,5

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