Euphoria aborda diversos tabus de forma impactante e oxigena o cenário televisivo.
Criada por Sam Levinson, Euphoria é um drama baseado num programa israelense de mesmo nome e que está disponível no catálogo da HBO. A série conta com oito episódios e traz a icônica Zendaya no papel principal. Ela, que recentemente foi a atriz mais jovem a ganhar o prêmio Emmy por sua atuação impecável nessa obra, foi ainda a segunda mulher negra na história da premiação a levar a estatueta na categoria de melhor atriz em série dramática.
Histórias que retratam a adolescência costumam soar como clichês, superficiais ou melosas demais, tendo como único recurso muitas vezes a comédia como ponto atrativo do público mais adulto. Esse, no entanto, não é o caso de Euphoria. Essa série se destaca por trazer consigo uma densidade única, ingredientes diferenciados, uma abordagem profunda e dramática, repleta de gatilhos que envolvem temas que ainda são tabus para a sociedade, tais como drogas, sexualidade, identidade de gênero, bullying, gravidez na adolescência, aborto e relações abusivas.
A narrativa traz Rue Benett (Zendaya, Homem Aranha, de Volta ao Lar) uma dependente química que está retornando a sua casa após um período na reabilitação, em razão de uma overdose que quase tirou-lhe a vida. Contudo, a adolescente está longe de retornar curada, muito menos determinada a lutar para permanecer limpa e, assim que volta para casa, já procura seu traficante. Com o desenrolar dos episódios, vamos conhecendo o histórico da garota que teve na morte do pai o trampolim para o vício em oxicodona, somatizado pelos múltiplos transtornos psicológicos que apresenta e que não são tratados propriamente, tais como ansiedade, depressão e bipolaridade.
A mãe da jovem, Leslie Benett (Nika Williams), luta para que a filha não tenha uma recaída e que não seja uma má influência para sua irmã mais nova, por isso marca pesado, colhendo a urina da adolescente periodicamente, embora Rue tenha todas as artimanhas necessárias para enganá-la facilmente.
Rue conhece então Jules Vaughn (Hunter Schafer), uma jovem recém-chegada na cidade com quem tem seu primeiro contato após esta se envolver numa briga com um estudante do colégio, Nate (Jacob Elordi, A Barraca do Beijo), que tentou assediá-la. As duas se tornam próximas e cada vez mais necessárias uma para outra. Jules tem um passado perturbador, marcado pelas dificuldades no processo de transição de gênero. A jovem se envolve ocasionalmente com homens mais velhos e inesperadamente se relaciona justamente com o pai de Nate, uma figura pública e conhecida por sua família tradicional e patrimônio. Quando essa constatação vem à tona, o mundo da jovem vira de cabeça para baixo. Rue está lá pra dar suporte à amiga, por quem começa a se apaixonar e que passa a ser uma motivação para que permaneça limpa, ainda que o sentimento não seja correspondido.
Nate, por sua vez, é um jovem problemático, possessivo e por vezes violento. Seu temperamento reflete a criação extremamente rígida de seu pai, o que o tornou aquele homem estereotipado, que precisa atingir os objetivos traçados pela família a todo custo. Logo no início da história, Nate quase mata um rapaz acusando-o erroneamente de ter estuprado sua namorada e esse é apenas um dos surtos de violência que ele tem ao longo da série, que mostra inclusive a impunidade quando se tratam de crimes cometidos por pessoas da classe alta.
Outras histórias paralelas abrilhantam o enredo bastante movimentado. Conhecemos Kat Herman (Barbie Ferreira), uma garota que teve o vídeo de sua primeira vez vazado entre os estudantes de sua escola e resolve responder a isso de uma maneira completamente diferente. Ela começa a fazer dinheiro através de vídeos sensuais, uma vez que percebe que seu corpo chama atenção por ser diferente. Esse arco da série fala sobre bullying, gordofobia, autoaceitação e padronização de corpos, algo extremamente necessário de trazer para o debate.
A série exibe cenas de nudez frontal masculina, o que está longe de ser o mais impactante sobre ela. Ela é um alerta sobre como os jovens, pertencentes à chamada geração Z, podem se perder num mundo onde as redes sociais são ditaduras, celulares são extensões do próprio corpo e os padrões traçados pela sociedade são inalcançáveis. Os pais na maior parte das vezes não têm tempo para se dedicarem aos filhos que, consequentemente, não traçam o caminho esperado, ou desejado, em meio a um turbilhão de emoções intensificados pelo boom hormonal que sofrem nessa idade.
Os dilemas são muitos e são fortes. Zendaya encarna com perfeição uma personagem que usa as drogas como válvula de escape. Você percebe pelo gestual imediatamente suas mudanças de personalidade. A performance dela é única e realmente merece aplausos. E digo mais: ela por si só já é motivo suficiente para acompanharmos a série.
Tem muito mais coisas a se elogiar aqui. A estética da série é um elemento forte. As cores e o neon criam a atmosfera perfeita para transparecer os sentimentos mais profundos de cada personagem. O uso da baixa iluminação traz a obscuridade necessária para enfatizar as emoções. A edição é muito bem feita, fazendo um recorte perfeito de um roteiro arrojado.
Mas tenho uma particularidade a mencionar. Lembro que assisti Euphoria logo após assistir Sex Education. Apesar de apresentarem em comum uma temática que mostra a realidade da juventude, as atmosferas são muito distintas, então fiquem tranquilos que o objetivo aqui não é exatamente comparar, e sim embasar meu argumento. Enquanto Sex Education impacta, mas sem deixar a sensibilidade de lado, Euphoria impacta com pesar. Você remói aquilo por dias, não tem alívio cômico, ou leveza em parte alguma. Senti falta de algum arco com a suavidade necessária pra equilibrar, dar esperança e consolo, uma busca de parte do público. Quero mensagens, reflexões, porém também busco positividade e acho que não obtive isso com Euphoria.
Aventure-se, portanto, sabendo do turbilhão de emoções que a série garante e vá preparado. Vale lembrar que a série é recomendada para maiores de 18 anos por mostrar explicitamente o uso de entorpecentes e cenas de sexo sem hesitar, o que não surpreende quando o assunto é HBO.
A série contará com episódios especiais no final deste ano, começando no dia 06 de dezembro, e já está com a segunda temporada confirmada.
Nota: 8,0
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