Ratched é uma relação de ame ou odeie. Eu escolhi AMAR!



“A patroa chegou!”, como bem anunciou a atriz Sarah Paulson em um dos vídeos divertidos divulgados pela Netflix dedicado ao público brasileiro, após a estreia da série no catálogo. E como chegou! Uma das atrizes mais aclamadas por suas atuações marcantes e carisma natural, dá vida a personagem central desse drama com requintes de horror.
Ratched é uma criação de Evan Romansky e é desenvolvida por Ryan Murphy, conhecido por outros trabalhos emblemáticos, tais como Glee, Pose e American Horror Story. Já ressalto aqui que Ratched incorpora sim elementos sombrios que nos remetem a American Horror Story e pra mim isso não é algo ruim, pelo contrário!

A série funciona como uma espécie de prelúdio da vida de Ratched, personagem conhecida do romance de Ken Kesey, de 1962, Um Estranho no Ninho. Mas já advirto, se você assistir a série traçando o tempo todo comparativos com a Ratched do livro ou filme, dificilmente vai satisfazer-se com o que é entregue. Portanto, minha dica é: dissocie e divirta-se.

A trama se passa no final da década de 1940. Nela, Mildred Ratched (Sarah Paulson, American Horror Story) é uma enfermeira recém-chegada em uma cidade do norte da Califórnia. À primeira vista, acreditamos que ela não passa de uma mulher articulada, determinada e despretensiosa, que almeja um cargo no hospital psiquiátrico local, para firmar raízes naquele lugar. Todavia, logo descobrimos que a protagonista tem como uma das suas principais características ser extremamente calculista. Cada uma de suas atitudes é pensada friamente e executada de maneira meticulosa e seu desejo por trabalhar naquele hospital tem uma razão bastante específica. Esse hospital receberá o sanguinário assassino, Edmund Tolleson (Finn Wittrock), responsável por matar cruelmente quatro padres em uma casa paroquial e Ratched fará de tudo para libertar esse homem.

Para conseguir seu intento, no entanto, ela precisará ganhar a confiança do médico e diretor do Lucia State Hospital, Dr. Richard Hanoover (Jon Jon Briones), que utiliza métodos bastante questionáveis no tratamento de desordens psíquicas, além de carregar um passado nebuloso que coloca sua vida em risco e está atrelado a um dos núcleos mais interessantes da série, composto pela lendária Sharon Stone, que interpreta Lenore Osgood, uma mãe nem um pouco convencional em busca de vingança.

Ratched aborda questões interessantíssimas e, sobretudo, necessárias. Acompanhamos o dia a dia do hospital e um pouco da vida de alguns dos pacientes e como seus transtornos eram tratados naquela época e, infelizmente, se fizer uma pesquisa rápida perceberá que não é exagero ou ficção os métodos retratados. Com isso, presenciamos cenas fortes, desde lobotomias (procedimento legalmente banido em diversos países a partir da década de 1970), até terapias de imersão em água com temperaturas extremas, que na verdade são técnicas de tortura, maquiadas com um nome bonito. Esses métodos eram utilizados para tratar desde doenças como a depressão, na época chamada de melancolia e ainda pouco compreendida, até mesmo a orientação sexual dos pacientes.

A sexualidade é um tema enfatizado nesse contexto e um dos maiores acertos da série, que retrata como naquela década a homossexualidade era ainda tratada como uma doença (triste pensar que nos dias de hoje também existam pessoas que insistem em pensar assim). A história nos apresenta uma personagem forte, Gwendolyn Briggs (Cynthia Nixon, Sex and the City), a frente de seu tempo, que vem para desmistificar isso com suas ações e determinação. Além da sexualidade, o tema abuso também é abordado de forma impactante, assim como a pena de morte. Devo ressaltar que a série não poupa sangue e erotismo.

Se existe uma palavra pra definir essa série, portanto, é exótica. Nos três primeiros episódios ela pode gerar certa desconfiança, pela excentricidade, ousadia e excesso de informações. Mas é exatamente essa a marca registrada aqui. De alguma forma, a série gera situações tão curiosas, por vezes até caricatas e improváveis, que é praticamente impossível não querer conferir o que vai acontecer no episódio seguinte.

Não espere uma protagonista típica e clichê. Mildred Ratched é uma mulher cheia de camadas, num processo de desconstrução de si mesma e está longe de ser uma heroína. O que você verá é a trajetória de uma vilã, forjada por um passado traumático, que talvez possa ser transformada pelo amor.


Com relação a parte mais técnica do drama, a fotografia é um deleite a parte. As cores fortes geram um contraste que mesmo os menos observadores conseguem notar. O figurino é belíssimo e a iluminação traz o elemento sombrio com propriedade, bem ao estilo Ryan Murphy.

Algumas histórias dos pacientes são exploradas e enriquecem o arco principal. Destaco aqui a personagem que é diagnosticada com transtorno de múltiplas personalidades, Charlorte Wells, interpretada por Sophie Okonedo que tem uma atuação digna de Emmy e que é, sem dúvida, um dos pontos altos da trama.

A série deixa um gancho incrível para uma segunda temporada, tem um ship perfeito e, após ser considerada a melhor série estreante de 2020, acho bastante provável que seja renovada.

Recomendo para telespectadores mais audazes. No mínimo irão se surpreender.

Nota: 9,0

 

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