Reflexões sobre a violência contra a mulher e o caos das instituições.

Bom dia, Verônica é a nova aposta brasileira da Netflix no gênero policial/suspense. A série é baseada no livro de Illana Casoy e Raphael Montes que adaptaram o roteiro para as telinhas. A direção ficou por conta de José Henrique Fonseca, Izabel Jaguaribe e Rog de Souza.

A trama gira em torno de Verônica Torres (Tainá Müller), uma escrivã da polícia de uma delegacia de homicídios de São Paulo. Mãe de dois lindos filhos e casada, ela carrega consigo um histórico familiar bastante complicado, embora tente lidar com isso da melhor maneira possível. Em um dia de trabalho usual, sua vida sofre um tremendo abalo quando a policial presencia o suicídio de uma mulher. A partir daí, ela busca compreender o que levou aquela moça a tirar a própria vida e acaba por se deparar com os rastros de um criminoso que utiliza sites de relacionamento para aplicar golpes em várias mulheres. Esse caso desperta uma vontade implacável em Verônica de ajudar mais vítimas de abusos e violência e é aí que surge na vida dela, Janete (Camila Morgado).

Janete é uma mulher de origem humilde casada com o tenente coronel Brandão (Eduardo Moscovis). Por trás desse cargo “respeitoso” habita, entretanto, um assassino em série cruel que, além de violentar a esposa das mais variadas formas possíveis, utiliza-a como ferramenta para colocar em prática seus planos mais macabros. Eis aqui o principal arco da série.

A história gira, portanto, basicamente em torno da investigação desses dois casos e o leque se amplia à medida que Verônica descobre a corrupção entranhada nos mais diferentes níveis hierárquicos da polícia e a verdade por trás de seu passado. É como se ela abrisse uma espécie de caixa de pandora. Verônica conta com a ajuda de Nelson (Sílvio Guindane) em suas investigações extraoficiais, já que o delegado Wilson Carvana (Antônio Grassi) e a delegada Anita Berlinger (Elisa Volapto) demonstram estar extremamente incomodados com o que a escrivã vem descobrindo.

Bom dia, Verônica é uma série forte, daquelas repletas de gatilhos que nos lembram de como é difícil ser mulher neste país. Mostra como a abordagem da polícia ainda é imprópria em vários aspectos, especialmente na coleta dos depoimentos, ocasião essa em que a vítima é muitas vezes desacreditada e desrespeitada em um dos seus momentos de maior fragilidade.

Camila Morgado é, sem sombra de dúvida, o grande nome dessa série. Ela realmente encarna a personagem, de modo que transmite a dor e a tensão de Janete com seu olhar e gestual. Mais de uma vez você tem que simplesmente pausar o episódio pra digerir a cena, pra respirar e só então continuar. As cenas são impactantes, a caixa mostrada no pôster promocional (imagem 1) é de fato angustiante e impressiona a forma de atuar do assassino, pouco vista em séries nacionais.

Vale ressaltar aqui, que a parceria de Camila Morgado com Eduardo Moscovis é certeira. Os dois funcionam muito bem juntos em cena. Ele passa a aversão necessária, causa temor e, sobretudo, exala naturalidade no convívio em sociedade, algo bem característico das psicopatias.

Mas nem tudo aqui é elogio. O enredo peca por depender demais do arco de Janete e Brandão. Camila Morgado é tão brilhante que acaba por ofuscar a atuação quase que morna de Tainá Müller. Faltou a esta ser mais visceral num papel que exigia tanto e que traz consigo o nome e responsabilidade da série.

A personagem Verônica acaba por seguir a linha de heroína justiceira versão “revolts” que beira ao óbvio na reviravolta final. Ao longo da história, ela se mantém em desvio de função fazendo investigações paralelas e por vezes desengonçadas, uma vez que ela não é treinada para aquilo. O roteiro deixa lacunas demais e nem todas me parecem ter terreno para serem resolvidas em uma provável sequência. A história de Brandão, por exemplo, e como ele teria sido moldado a se tornar um assassino cruel por meio de uma infância de traumas é pouquíssimo respondida e explorada. A história acerca do pai da protagonista também entrega poucas respostas, mas essas ao menos eu espero solenemente que sejam apresentadas numa segunda temporada.

Ganchos existem para uma renovação, basta a série sobreviver a guilhotina da Netflix que está bem intensa nos últimos meses.

Não encarem a crítica como uma não recomendação da série, pois não é. Essa série é mais um passo audaz das produções brasileiras rumo a trabalhos mais diferenciados e por isso deve ser apreciada, especialmente por trazer mensagens essenciais em um país que mata tantas mulheres e apresenta recordes de casos de violência doméstica.

Nota: 7,5

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