Endossado por Jordan Peele, roteirizado e dirigido pelo próprio Dev Patel, esta é uma verdadeira produção de guerrilha. O que este homem enfrentou e sofreu para lançar este filme é, por si só, louvável. É igualmente impressionante o fato de que este longa, que marca sua estreia na direção, seja também um baita filme.
(Este texto contém spoilers).
Foram quatro anos no total: alguns ossos quebrados, equipamentos destruídos, falta de orçamento e até filmagens improvisadas com um celular. Este é, de fato, um filme concebido com sangue e suor.
O filme em si lembra uma colcha de retalhos das mais maravilhosas inspirações possíveis. Embora vendido como o "John Wick indiano", essa similaridade representa apenas 5% do filme em si. Logo no início, quando um dos contrabandistas questiona o protagonista se ele quer levar a réplica da arma de "John Wick", o personagem se recusa e opta por uma pistola de modelo .38 de cano curto. Esse detalhe do roteiro já nos mostra que esta será uma vingança lenta e intimista, já que esse tipo de revólver é ineficiente, tanto de perto quanto de longe. Ele é barulhento e demora para ser recarregado. A arma simboliza a fúria reprimida que o personagem carrega, assim como a máscara de macaco, que representa a entidade rebelde que enfrentou os deuses, tal como o personagem Kid, de Dev Patel, fará.

Em Raya e o Último Dragão (2021), da Disney, a emancipação e a grandeza só podem ser alcançadas se compartilhadas entre as diversas tribos. Ou seja, o individualismo não tem espaço entre os oprimidos; a força é coletiva. O filme é recheado de alegorias religiosas, incluindo a história de Hanuman, uma divindade do Hinduísmo. Ao longo do filme, a figura de Hanuman pode ser lida como esse espírito coletivo que se ergue a partir da fúria organizada, encarnada no protagonista. Esta divindade, que representa devoção e ousadia, alcança o céu (o andar VIP do prédio), onde se encontra apenas a poderosa e hedionda elite. A invasão ocorre através de um plano coletivo, e não individualista.
No primeiro ato, Kid alcança o sol, mas ainda não tem forças para agarrá-lo naquele momento, não conseguindo concluir sua vingança. Ao final do filme, quando o protagonista finalmente retorna ao paraíso, agora aliado àqueles que o ajudaram, ele traz consigo a força e a sabedoria necessárias para enfrentar aqueles que o puniram.
A cinematografia e a direção trazem, de forma ousada e até charmosa, um enfoque em figuras marginalizadas pela sociedade. Abrigados num templo, transexuais e travestis buscam uma posição numa sociedade que, embora os reconheça politicamente, os trata com violência. Patel se utiliza de praticamente todo tipo de filmagem (fruto das inúmeras perdas de equipamentos ao longo dos anos de gravações), mas também usa muito simbolismo, o que pode incomodar, já que este não é o tipo de filme em que você pode simplesmente esvaziar a mente e ignorar suas mensagens. Esta obra tem um propósito e espera comprometimento por parte do espectador, especialmente quando possui cenas de ação muito pontuais.
Cidade de Deus e o sonho de vingança
Inicialmente, o desejo de Kid é ter dinheiro, dinheiro para comprar uma arma. Isso remete a Cidade de Deus, onde o sonho de uma criança é ser o dono do morro, ter uma arma para "ferrar" aqueles que o ferram. Kid é simplesmente incapaz de vencer qualquer confronto ou de fazer seus planos darem certo sem antes passar pelo inferno e pelo purgatório. Ele "morre" para o mundo exterior durante um mês antes de poder voltar, agora renovado.
O final do filme não traz o protagonista perdoando ou alcançando clareza espiritual ao se mostrar moralmente superior aos seus algozes. Pelo contrário, o alcance do divino se dá através da vingança e da violência. Fúria Primitiva (Monkey Man) é um contraponto à ideia de heróis moralmente evoluídos que não sujam suas mãos e, de forma quase cínica, alcançam algum tipo de emancipação.
A maior lição que fica é a de que a fúria desorganizada é bestialidade; já a fúria organizada e coletivizada é política.
Nota: 8.2/10
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