Um drama quase documental sobre as decisões de um cotidiano que intercala o difícil e a alegria de quatro amigas, embora de maneira muito simplista.
O Forúm Nerd foi convidado para assistir ao filme em uma cabine de imprensa à convite da Sessão Vitrine Petrobras.
Tudo o que Você Podia Ser se dedica ao cotidiano de quatro amigas trans, travestis ou não-binárias pelo centro de São Paulo. Elas jantam juntas, dobram roupas usadas para doação, se preparam para a balada, trocam confidências. O longa-metragem aposta na naturalidade do dia a dia, em oposição ao preconceito de que as minorias levariam vidas sórdidas, repletas de drogas, sexo e comportamentos reprováveis, revelando conflitos diários semelhantes não só a espectadores alvo, mas também podemos de certa forma aprender mais.
Em seu último dia em Belo Horizonte, Aisha (Aisha Brunno), acompanhada de suas três melhores amigas: Bramma (Bramma Bremmer), Igui (Igui Leal) e Will (Will Soares) estão a fazer uma despedida a sua amiga entre encontros, brincadeiras e diversão.
A cena inicial já impressiona pelos seguintes motivos: quantas mulheres transexuais, ou travestis, você já viu no cinema, junto às suas famílias, acalentando um bebê? temos uma visão do que considero ser as melhores partes do filme, essa filmagem documental, quase que um voyeur, intercalando entre cenas sóbrias e deixando toda a fluidez dos atores se desenrolar, é nesses momentos que percebemos o quão real uma boa filmografia pode deixar sua obra. O início se estende até as amigas de Aisha, com Igui contando a sua mãe sobre a decisão de cursar doutorado na Alemanha e Will lamentando a perda de sua renda mensal de seu trabalho, tudo construído nesse início pavimenta sobre o que será tratado na obra.
Devido à escolha pela verossimilhança, as cenas que decorrem da aparência de improviso, como as conversas das amigas enquanto comem um cachorro-quente na saída da balada transbordam de vitalidade, e revelam a capacidade do diretor Ricardo Alves Jr. em representar diálogos verossímeis e que faz crer que elas são de fato amigas e estão em uma roda de conversa. Como havia ressaltado, o trabalho de câmera em várias cenas são bem feitas.
Por outro lado, os instantes claramente roteirizados revelam algumas fraquezas do projeto. Existe um abismo separando as provocações amigáveis das protagonistas e a cena em que Bramma confronta sua mãe (Docy Moreira), escutando frases cristalizadas de homotransfobia. Os diálogos soam teatrais demais, e traduzem um conflito que chega sem preparação prévia dos personagens para tal. A mãe existe unicamente para ter algum clímax, pois parece que não bastava o filme apenas ser real o suficiente. O mesmo ocorre durante a provocação transfóbica do ônibus. A artificialidade contamina a cena, a ausência de pessoas nos bancos ao redor, seja pelos close-ups no rosto de cada agressor, ou ainda pela caminhada na passarela em seguida, diante de um fundo desfocado. Incomoda que praticamente toda a carga dramática seja depositada sobre Bramma (que é o mais fraco de atuação no quarteto) encarregada de sustentar os instantes mais roteirizados.
O roteiro da obra, sendo muito simplista, não explora esses conflitos na integra de forma forte e que faça sentir, nos momentos, são apenas cenas em que a potência real se limita diante do conceito, o que é uma pena realmente. Em compensação, o filme permite que as quatro se portem de maneira bastante livre em frente às câmeras. A energia de Will Soares ilumina as imagens, e o talento de Aisha Brunno comprova a capacidade de lidar com diálogos e coordenar o grupo através de uma liderança tão segura. A este propósito, Brunno se prova uma atriz tão forte que desperta interesse para vê-la em mais filmes nacionais.
Conclusão: Um filme bom, mas que infelizmente cai na metade do filme em diante quando não temas cenas como as amigas juntas conversando ou se divertindo, ou fazendo apenas o básico do cotidiano, que é o ponto mais forte e positivo do filme, além da atuação de ambas, algumas simbologias desgastadas, como o encerramento com o quarteto abraçado, enxergado o nascer do sol, enquanto a trilha sonora altíssima então a frase que justifica o título; ou o corpo de Aisha para fora do carro, numa metáfora evidente de liberdade e respiro. Nestas horas, a câmera antecipa o movimento das personagens, diluindo a impressão de espontaneidade.
Nota: 6
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