Filme se consagra como um dos melhores coming of age dos últimos anos, entregando uma simples e linda reflexão sobre a infância e a nossa conexão com religiões.
Filha de pais de diferentes religiões (sua mãe é cristã e o pai judeu), Margaret é uma garota que nunca recebeu ensinamentos religiosos, e parte em busca de uma religião para seguir. Ao mesmo tempo, precisa lidar com os típicos problemas de uma adolescente no início da puberdade, com as mudanças em seu corpo e a atração por garotos da escola.
Se tem um termo que eu detesto, é o “filme sessão da tarde”, pois é bem vago já que a Sessão da Tarde exibia desde clássicos bons dos anos 80 como “Quero Ser Grande”, clássicos do cinema irretocáveis como “De Volta Para o Futuro” e filmes genéricos de cachorros falantes, não tendo um critério exato. Dito isto, “Are You There God? It's Me, Margaret.” tem uma sensação nostálgica que deve se aplicar a esse termo que as pessoas tanto gostam.
O filme é basicamente um coming of age, escrito e dirigido por Kelly Fremon Craig (Quase 18) e baseado em um livro de mesmo nome escrito por Judy Blume. Antes de tudo, o filme é uma grande jornada de amadurecimento de Margaret (Abby Ryder Fortson), enquanto ela tenta achar uma forma de se comunicar (ou não) com Deus, e se realmente quer ter uma religião.
Religião é um dos temas mais espinhosos da humanidade, sempre foi e sempre será. Porém o filme não adere a nenhum lado dessa discussão, e o que mais me deixou fascinado é como ele é honesto em debater esse tema. É praticamente impossível não se identificar com Margaret, pois todos os questionamentos e momentos que ela passa com Deus todo ser humano já presenciou, sendo ele uma pessoa de fé ou não.
O filme tem uma sensibilidade rara em tocar nesses temas e na personalidade das garotas e na abordagem de como construir de fato essas personagens. É um raro caso onde já vimos todos esses clichês contados mil vezes, mas eles são aplicados tão bem que te conquista logo nos primeiros cinco minutos, e a narrativa ágil da direção e roteiro de Craig fazem o filme passar em um piscar de olhos.
Porém a cara, carisma e grande cola que faz todo esse projeto funcionar é a atriz mirim Abby Ryder Fortson (Homem-Formiga, Contos do Loop). Ela é a definição de carisma e talento, sabendo fazer você rir e se emocionar. Fortson já tinha provado ter um certo carisma e fofura vivendo a filha do “Homem-Formiga” nos filmes da Marvel Studios, mas aqui ela mostra que é uma excelente atriz, e mesmo quando envelhecer e virar uma adulta, vai continuar a ter uma carreira brilhante.
Outro grande destaque é a personagem da atriz Rachel McAdams (Doutor Estranho, Questão de Tempo), que interpreta a mãe de Margaret. Adams sempre foi uma atriz muito amável e talentosa, mas aqui ela entrega o melhor papel de sua carreira, de forma simples e cativante, sabendo dosar a sua empolgação, humor, ingenuidade, sentimentos e lágrimas. Se houvesse justiça nesse mundo (e sabemos que não tem), ela receberia uma indicação à melhor atriz coadjuvante em todas as premiações da temporada.
O resto do elenco também não deixa nada a desejar, e parabéns mais uma vez para os diretores de elenco que encontraram excelentes atores e atrizes mirins muito competentes. Vale destacar as participações excelentes de Benny Safdie (Bom Comportamento, Oppenheimer) e Kathy Bates (Titanic, Louca Obsessão), dois atores que adoro e sempre agregam muito para os elencos dos projetos.
Já a direção de Craig é simples mais direta ao ponto. A diretora tem apenas um filme na sua filmografia, o também bom “Quase 18” onde ela aborda outro estágio da juventude de uma garota, desta vez fazendo a transição para a vida adulta. Fica bem evidente que esse é o estilo de tema e abordagem de sua filmografia, porém ela mais uma vez prova que é extremamente competente nesse ramo. É muito importante ter uma diretora mulher talentosa contando essas histórias por uma perspectiva feminina, é só quando você assiste esse tipo de filme que consegue enxergar a diferença.
A estética oitentista/noventista pode estar um pouco saturada na cultura pop atual, mas é sempre bom ver quando eles abraçam bem essas épocas e conseguem reproduzir esses cenários de uma maneira que case com o tipo de história que está sendo contada, e não apele apenas para uma nostalgia forçada.
Mas um elemento do filme que me fez saltar os olhos (ou no caso os ouvidos???) foi a espetacular trilha sonora do lendário compositor Hans Zimmer (O Rei Leão, Interestelar). Enquanto via o filme, fiquei muito impressionado com o tema principal do filme que era bem simples mas aconchegante, casando muito bem com a atmosfera do filme. Então, fiquei absolutamente chocado ao ver o nome de Zimmer nos créditos, já que esse é o tipo de filme e composição que ele não costuma trabalhar na sua filmografia, provando mais uma vez o seu alcance infinito.
Um dos fatores que me fez ficar completamente apaixonado pelo filme é como ele não é “boboca” ou maniqueísta como esses filmes sempre acabam se tornando. Ele apresenta personagens bem complexos e humanos, como as amigas da protagonista que não são necessariamente pessoas ruins, só são crianças, e fazem coisas cruéis que crianças também fazem, mas ainda são mostradas de tal forma. A própria Margaret é de fato uma criança e age como uma, cometendo erros e se arrependendo, se empolgando com coisas simples e sonhando com tudo. É tudo muito humano e natural.
“Are You There God? It's Me, Margaret.” foi um filme que me pegou de uma maneira em que eu não esperava. Tem um clima despretensioso mas apresenta uma grande história simples, direta e certeira. Já se tornou um dos meus queridinhos, e é facilmente um dos melhores filmes (e surpresas) de 2023, vai com toda a certeza agradar a todos que derem uma chance.
Nota: 8.5
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