James Gunn entrega um desfecho para a trilogia dos Guardiões da Galáxia que é tanto emocional quanto é falho
Depois de 6 anos, após uma demissão, uma recontratação, um filme e uma série na DC, James Gunn (O Esquadrão Suicida) está de volta a Marvel Studios para o terceiro e último filme dos Guardiões sob seu comando, sua canção do cisne na Marvel já que agora ele é o co-presidente da DC Studios. Altamente antecipado, Guardiões da Galáxia Vol. 3 tinha a difícil tarefa de concluir a trilogia, fechando a história desenvolvida nos ótimos dois filmes anteriores, tendo que trazer um final satisfatório pra amada equipe dos patifes espaciais desajustados.
Primeiramente, é bom que o Gunn decidiu não ir pela rota do "espetáculo > história" que muitos filmes de super-heróis, ainda mais aqueles que estão concluindo uma franquia, saga, etc., seguem. O roteiro está disposto a tornar o escopo menor e fazer com que a trama seja intimista, focada no Rocket Raccoon e nas relações entre os personagens. Aliás, os personagens são o destaque e a trama não passa por cima deles.
O guaxinim falante cuja voz é dada por Bradley Cooper (Nasce Uma Estrela) é claramente o coração do filme, toda a história provém de seu passado trágico e segue a jornada para salvar sua vida. O que é engraçado, já que ele não aparece tanto assim. Já no começo do filme ele entra em uma espécie de coma após um breve confronto com Adam Warlock, tendo apenas 48 horas de vida, e os Guardiões tendo que correr contra o tempo para impedirem sua morte. Suas cenas e diálogos durante todo o primeiro e segundo ato são nos flashbacks do mesmo explorando sua vida sombria enquanto cativo do Alto Evolucionário, mas ele é o destaque do terceiro ato. O personagem é querido pelo Gunn, o que é óbvio, e isso fica explícito no tratamento dele nos filmes anteriores e aqui. Ele é um personagem complexo e interessante, e sem dúvidas esse filme o consagra como um dos melhores do MCU com um arco dramático que consegue superar o de muitos no universo Marvel.
Uma personagem completamente perdida na história é a Gamora. A guerreira interpretada por Zoë Saldaña (Avatar: O Caminho da Água) não tem quase nenhuma qualidade redentora. Serve apenas como um plot device, lembrando o Quill de sua perca e sendo o objeto de sua afeição para tentar reconquistar o amor perdido, mas como personagem própria não tem traços identificáveis ou desejos/necessidades. Ela tem uma conclusão até que razoável, mas se tirassem ela da trama nada iria mudar. Ajudou mais no arco do Quill, mas ele poderia chegar na conclusão que chegou no filme sem a presença dela.
Drax e Mantis servem como bons alívios cômicos, e ambos possuem arcos que são bem desenvolvidos e resolvem conflitos internos dos personagens, o que vêm como uma surpresa devido ao descaso com o Drax no filme anterior e a pouca identidade da Mantis. A Nebulosa, assim como a irmã que veio do passado, parece um pouco perdida, mas mesmo assim a ótima performance de Karen Gillan (Jumanji: Bem-Vindo à Selva) como a ciborgue durona salva a personagem. Kraglin, Groot e Cosmo estão ali apenas para fazer algumas piadas, usar seus poderes e nada mais. Não têm arcos reais, talvez o Kraglin ao tentar miseravelmente usar a flecha do Yondu, lembrando de seu falecido capitão e amigo, mas nada que realmente seja explorado muito a fundo, e também o monte de personagens não permitiria nada muito aprofundado.
Infelizmente os pontos mais fracos do filme foram os vilões. O Alto Evolucionário não passa de uma caricatura, não é um personagem real. Um vilão que é mal por ser mal não me incomoda, o problema é que não há nada mais pro Alto Evolucionário a não ser a imagem de um cientista do mal que alisa seu bigode e dá gargalhadas, não há substância alguma e isso torna o personagem chato. Gunn quer que você o odeie e usa as formas mais baixas para te deixar emocionado, usando da mesma moralidade barata que usou em O Esquadrão Suicida, o assassinato brutal de animais e ameaça à crianças. Assim como o general de Corto Maltese queimou os pássaros do falecido ditador, o Alto Evolucionário é cruel com os animais que usa como cobaia. Assim como o governo totalitário de Corto Maltese, o Alto Evolucionário não se preocupa com a morte de crianças.
Chukwudi Iwuji (Pacificador) é um ator excepcional e está tentando entregar uma performance genuína. Ele se importa com o papel, só ver as entrevistas na qual ele rotula o Alto Evolucionário como um personagem Shakespeariano, o que é compreensível já que Iwuji veio do teatro, mas o Shakespeare nunca escreveu um personagem tão unidimensional assim, esse é o maior escritor que já viveu e o Gunn não chega perto de arranhar a superfície de um antagonista verdadeiramente Shakespeariano.
Mais decepcionante ainda é o Adam Warlock. Deslocado da trama, chegando a ser até estranho, ele destoa da trama que está sendo construída, e parece mais uma exigência do Kevin Feige do que um personagem que o Gunn estava interessado em introduzir e desenvolver. Só vemos ele voando, sendo infantil já que tecnicamente ele ainda é uma criança, e interagindo com sua mãe Ayesha. Will Poulter (Black Mirror: Bandersnatch) não tem muito material com o que trabalhor, então é compreensível sua atuação não possuir nada genuíno.
Guardiões da Galáxia Vol. 3 não é uma bomba. Seu retrato do Rocket Raccoon como uma figura trágica é bem construída, seus flashbacks são pertubadores por mostrar tortura e crueldade com animais, e o Gunn sabe que isso vai te deixar com os olhos marejados. A trilha sonora é uma especialidade do Gunn, as escolhas são ótimas, apesar de aqui algumas não combinarem com os momentos em que foram usadas. A direção também é uma das melhores do MCU recente. Um plano-sequência em um corredor na qual os Guardiões batalham contra lacaios do Alto Evolucionário é uma das sequências mais criativas feitas pela Gunn e que é boa demais que te faz questionar se o que está vendo é realmente um filme da Marvel. Visualmente o filme não deixa nada a desejar. Mas eu admiro que o Gunn tentou pelo menos fazer um filme de verdade, e isso não pode ser dito de muitos dos filmes e séries recentes de super-heróis. O filme quer que você se importe com seus personagens, e apesar de falhar em suas empreitadas, ele ainda tem coração.
Nota: 6
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