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Com charme oitentista, novo filme de Noah Baumbach é estranho e divertido na mesma medida
Jack Gladney é um professor universitário que leciona sobre Adolf Hitler em uma faculdade de artes liberais chamada The-College-On-The-Hill. Gladney vive com sua esposa Babette e seus filhos Heinrich, Denise, Steffie e Wilder, em uma vida praticamente pacata, até que um trágico acidente causa a formação de uma nuvem tóxica na área onde residem, o que força eles e outras famílias da região a evacuarem em busca de abrigo.
Escrito por Don DeLillo, Ruído Branco é considerado como um Grande Romance Americano — um conceito que você pode pesquisar mais sobre depois — o que significa que ele está ao lado de livros como Moby Dick e O Arco-Íris da Gravidade. São demasiado complexos e suas tramas densas costumam funcionar apenas na literatura, então uma adaptação para filme poderia dar bastante errado, já que muito seria perdido na tradução das páginas para as telas. Felizmente, a tarefa difícil se provou um desafio a altura de Noah Baumbach (História de um Casamento, Frances Ha), que entregou um filme divertidíssimo.
Lidando com temas com T maiúsculo como morte, violência e consumismo sob uma clara ótica pós-modernista, Ruído Branco poderia facilmente ser um filme de nicho, alcançado apenas um público limitado, mas Baumbach conseguiu transformar uma história intricada como essa em um longa que pode ser assistido e apreciado pelos milhões de assinantes da Netflix, o que justificaria seu impressionante orçamento de 100 milhões. A Netflix não apostou em um filme indie, e sim em um projeto que pode ser amplamente consumido e entendido, com a cereja no topo do bolo sendo sua alta qualidade, algo que carece na grande maioria das produções da gigante do streaming.
Baumbach pode ser aplaudido por emular perfeitamente aquela estética e espírito dos blockbusters dos anos 80, com clara influência dos filmes de sucesso de Steven Spielberg (Os Fabelmans, O Resgate do Soldado Ryan). Uma família normal posta em situações extraordinárias soa bastante como um conceito explorado nos blockbusters de Spielberg, como visto em Tubarão, Jurassic Park e Guerra dos Mundos.
Algo que devo elogiar primeiramente é a edição do filme. Em um tempo de filmes de alto orçamento que sofrem nesse departamento, com cortes desnecessários e transições vergonhosas, ver uma edição que traz uma fluidez e ajuda no ritmo é um sopro de ar fresco. Com sua carreira de diretor autoral já consagrada, Baumbach sabe lidar melhor com a edição e o ótimo trabalho do editor Matthew Hannam (Possessor, O Homem Duplicado) eleva bastante o longa.
Um dos pontos altos do filme é quando um discurso explosivo e empolgante de Gladney na faculdade sobre a vida de Adolf Hitler é intercalada com o acidente de trem que dá origem à nuvem tóxica, com ambas as cenas também sendo intercaladas com filmagens históricas em preto-e-branco do próprio Hitler discursando com seu jeito dramático e teatral. Com a execução errada, a sequência poderia ter saído desajeitada, mas o resultado final não deixa nada a desejar, com a edição, direção, atuação e trilha sonora todas combinando pra entregar algo arrepiante e que dá início de verdade ao filme com o evento catalisador da trama.
Não é apenas a direção e o roteiro de Baumbach que dão ao filme sua classe, mas as perfomances fantásticas de Adam Driver (Casa Gucci, Infiltrado na Klan) e Greta Gerwig (Adoráveis Mulheres, Frances Ha). Driver já provou que está longe de ser um ator de um personagem só, e aqui ele mostra uma outra faceta que só demonstra o quão talentoso ele é. Driver interpreta de maneira natural, mas também escrachada ás vezes levando em conta o tom do filme, um acadêmico e pai de família de meia-idade que tem um medo paralisante de morrer e da morte em si. Com uns trejeitos e idiossincrasias que você vai notar ao longo do filme, Driver dá vida ao papel e transforma Gladney em um personagem palpável. O caso é o mesmo com a Gerwig, só que ela consegue expor bem mais da sua personagem já que tem cenas dela com confissões chorosas, perfeitas para mostrar a dramaticidade que a atriz é capaz de entregar.
Todos os coadjuvantes estão bem, mas o destaque sem dúvidas vai para Don Cheadle (Nem Um Passo em Falso, Vingadores: Ultimato), que interpreta o esquisito Murray Siskind, o alívio cômico perfeito, que é colega de trabalho de Gladney, lecionando sobre ícones e com uma fixação nítida com o Elvis Presley. O ar surreal do filme não seria o mesmo sem os longos monólogos divagantes de Siskind que são engraçados e por vezes confusos.
Mas o filme poderia ter sido ainda melhor se não fosse a derrapada no terceiro ato, que é inferior aos dois anteriores. A conclusão parece ser apressada demais, com o pequeno plot twist presente no ato tendo seu impacto diminuído por parecer ter saído do nada, apesar das casuais pistas dadas em algumas partes no início e meio do longa. As cenas finais também são destoantes em tom e forma do restante do filme, e mesmo que isso tenha sido intencional, muito se perde com essa decisão, já que um filme redondo é sempre o preferível. Mesmo assim, a sequência de créditos é hilária e acho que compensa por algumas dessas falhas.
Ruído Branco é uma prova do amadurecimento de Noah Baumbach como diretor. Sua história inteligente e irreverente poderia ter dado errado nas mãos de um diretor menos competente, mas Baumbach conseguiu adaptar de forma sublime o romance e expor o consumismo presente em nossa sociedade e a formação de teorias da conspiração em momentos de trauma coletivo, temas tão relevantes agora quanto há trinta anos.
Nota: 8
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