Jordan Peele entrega um terror alienígena sofisticado, competente e com sua marca registrada: repleto de comentários sociais.

Em 2017, era lançado possivelmente um dos melhores filmes de terror/suspense de todos os tempos: Corra!. Com o sucesso do longa, ganhava evidência o artesão por trás da obra: Jordan Peele. E não pensem que Peele é diretor de um sucesso só. Ainda que com menor repercussão que seu antecessor, tivemos ótimos filmes posteriores como Nós (2019) e A Lenda de Candyman (2021). No dia 25 de agosto, o mais novo e surpreendente longametragem do cineasta chegou aos cinemas brasileiros pela Universal Pictures: Não! Não Olhe!.

Não! Não Olhe! (Nope) é um terror alienígena escrito, dirigido e co-produzido por Jordan Peele através de sua companhia a Monkeypaw Productions. 

Na trama, quando objetos caem misteriosamente do céu e causam a morte de seu pai, os irmãos e proprietários de uma fazenda, especialistas em treinamento de cavalos, OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald Haywood (Keke Palmer) percebem que há algo estranho na pequena Agua Dulce e tentam capturar evidências em vídeo de um objeto voador não identificado com a ajuda do vendedor de tecnologia Angel Torres e do documentarista Antlers Holst.

Não! Não Olhe! não demora a mostrar a que veio e se prova cheio de camadas. Já em sua sequência inicial, o filme mostra um arco perturbador que a princípio pode parecer desconexo, mas que depois se soma a trama com total coerência ao representar como algumas tragédias são utilizadas de forma mercadológica pelo ser humano. As consequências do oportunismo, representado através de Jupe (Steven Yeun), sobrevivente do ataque do chimpanzé Gordy, no entanto, não demoram a vir e nos entregar uma lição tão atual e convincente dos riscos de transformar uma criatura em espetáculo. 

No que tange o arco central do longa, quando os objetos caem do céu é criada uma atmosfera de tensão misturada com curiosidade que persiste ao longo de todo o filme e que me fez lembrar um outro grande suceso do gênero, Sinais (2002). Mas não pense que Jordan Peele sustenta a história só com base na ficção científica ou união familiar. 

Mais uma vez um de seus filmes tem como fundação os comentários sociais e toca fundo nas questões raciais. Nesse plot em particular, temos a superação de uma tragédia pautada em resiliência e luta genuína. 

A exemplo disso, seguimos os irmãos Haywood tentando se recuperar financeiramente após a morte do pai. Em um de seus trabalhos, OJ é menosprezado, enquanto sua irmã Emerald tem que discursar pra fazer ambos serem de fato vistos e levados a sério enquanto tentam seguir com o legado do pai. Até mesmo quando têm conhecimento dos perigos que assombram sua cidade, eles se veem na obrigação de acharem provas, já que estão acostumados com o descrédito.

Vale ressaltar que um dos recursos narrativos mais interessantes é justamente o contraponto entre os irmãos. Enquanto temos um OJ introvertido e condencendente, quase monossilábico, que alterna muito de suas respostas a um mero Hum ou Nope (não), a irmã tem como mecanismo de defesa justamente a comunicação e articulação, por vezes exacerbada. 

Após sua introdução, é como se o longa fosse dividido em atos sabiamente intitulados com o nome de animais que compõem a história. Esse elemento, que parece simples, traz na verdade conexões relevantes.

Jordan Peele sabe como filmar e acima de tudo aterrorizar. Ele nos coloca realmente sob a ótica de seus personagens, como se acompanhássemos o objeto não identificado realmente da mesma forma que eles o veem. Os efeitos sonoros são aplicados com precisão e as panorâmicas belíssimas são essenciais para o entendimento da proposta. O medo é tangível! Os efeitos especiais não decepcionam e se preparem para uma chuva de sangue (literalmente).

Daniel Kaluuya mais uma vez é uma excelente escolha (Peele já havia trabalhado com o ator em Corra!). OJ é um personagem introspectivo mas que se conecta aos animais da fazenda como poucos (talvez até melhor do que com humanos) e é isso que o torna peça chave para desvendar e compreender o mistério por trás do objeto não identificado que paira sobre Agua Dulce. Seu "nope" (não) é muito mais que uma resposta no piloto automático. Sua cena a cavalo no último ato do filme carrega um simbolismo único e consolida seu arco de superação.

Keke Palmer traz energia e senso de humor mesmo em um filme por várias vezes denso e caótico. Angel Torres, o técnico que os auxilia em todo o processo é uma ótima adição à trama e traz a leveza necessária.

É bem verdade que uma parte do público talvez não conecte os elementos espalhados pela narrativa, nem perceba sua riqueza de significados. Mas aqueles mais atentos às camadas, ficarão deliciados com as inúmeras mensagens. 

De negativo temos apenas o fechamento. Não dá pra negar que o desfecho simplifica um pouco demais a profundidade tecida pela trama fora da caixa. Ainda assim, não temos nada que frustre a experiência e imersão.

Jordan Peele se concretiza, portanto, como uma figura de importância e competência no cinema e entrega mais uma vez um terror de qualidade e acima de tudo com inteligência. 

Nota: 9,0

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