"Emergência" equilibra-se entre o humor e o drama para tocar nas profundas feridas das relações raciais.

Comédias universitárias temos aos montes na história do cinema. Boa parte delas se despreocupa com mensagens e se atém especialmente à diversão despretenciosa. K. D. Dávila se utiliza dessa ambiência e com um estilo satírico promove uma reflexão profunda sobre as relações raciais no filme da crítica de hoje.

Emergência (Emergency) é uma comédia dramática repleta de momentos de tensão. O filme foi lançado inicialmente como curta-metragem, ainda em 2018, quando recebeu no Festival de Cinema de Sundance, o Prêmio Waldo Salt de Roteiro. Com o texto adaptado por sua criadora K. D. Dávila ao formato de longa-metragem e com a direção de Carey Williams, o filme distribuído pela Amazon Studios chegou ao Prime Video em 27 de maio de 2022 e já coleciona 92% de aprovação na média dos críticos no site agregador Rotten Tomatoes.


Na trama, acompanhamos dois amigos e estudantes  universitários Sean (RJ Cyler) e Kunle (Donald Elise Watkins). Apesar de diferentes quanto ao temperamento, os amigos pretendem se tornar os primeiros homens negros a completarem o Tour lendário, que consiste basicamente em visitar um total de sete festas de fraternidades diferentes em uma mesma noite. O que tinha tudo pra ser um dia inesquecível, não sai conforme o esperado, já que quando os dois passam na casa que eles dividem com o amigo Carlos (Sebastian Chacon), um estudante de origem latina, eles se deparam com o corpo inconsciente de Emma (Maddie Nichols), ​​uma jovem branca menor de idade, em sua sala de estar. 

As coisas tomam rumos ainda mais complicados quando Sean insiste para que eles não chamem a polícia, com receio de serem acusados injustamente pelo fato de serem negros. A partir daí, os três iniciam uma saga para conseguirem ajudar a menina inconsciente sem necessariamente se comprometerem.


Emergência é um longa marcado por três atos bem estabelecidos e com mudanças de tom que podem não agradar a todos, mas que façamos justiça: são ousadas. Temos desde uma comédia universitária clássica, até um arco final com um peso dramático de deixar qualquer um nauseado e abatido com o poder de sua mensagem.


Já em sua sequência de abertura, o filme mostra a que veio e indica que tratará a questão racial de forma direta e objetiva, não apenas como pano de fundo. E é justamente isso que ele faz de uma forma muito explícita, se utilizando da ferramenta cômica, porém de uma forma coerente.

A direção acerta a mão na hora de criar os momentos de tensão e a sequência da sala de estar é um dos ápices do longa. A cena é bem construída e mescla os gêneros do filme de modo que mal saibamos reconhecê-los isoladamente.

A dupla principal de amigos tem uma química tangível que nos faz torcer para que os personagens resolvam o plot da melhor maneira possível. O grande destaque, no entanto, fica por conta da brilhante atuação de RJ Cyler. Ainda que Sean seja aquele personagem que veio para incomodar, que parece querer tirar o amigo "politicamente correto" dos trilhos, que quer optar pelas soluções que podem parecer erradas ao primeiro olhar, é justamente ele que antecipa boa parte das lições e que nos revela a dura realidade de ser a todo momento julgado pela cor da sua pele.
 

A falha de Emergência se encontra em seu segundo ato longo demais, que desajeita o ritmo e comprova que de fato o formato curta metragem talvez seja a melhor opção para essa história. Além disso, os personagens do núcleo "branco" da trama, se em algum momento pretendiam ter um viés cômico, o objetivo não é antendido. Se o propósito único era o de termos ranço por aquele núcleo de personagens, isso sim foi cumprido com sucesso.

O terceiro ato recupera o fôlego e entrega o momento mais reflexivo e tocante de todo o filme. A sequências de diálogos que inicia com a cena do hospital e segue então para o diálogo entre os amigos é tão orgânica que é impossível não se emocionar. 

Emergência merece muito mais reconhecimento do que tem recebido. Traz um texto sagaz que prova que é possível entreter e ao mesmo tempo ser pungente ao tratar um assunto tão importante de se debater.

Nota: 7,5

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