De vez em quando, aparecem algumas produções que tentam trazer uma ideia diferente sobre instituições prisionais que realizam experimentos científicos nos prisioneiros. O que os diferenciam são as abordagens futurista e distópica acerca de sua narrativa.
Lançado na Netflix em 17 de junho, “Spiderhead” é um thriller futurista de ficção científica que explora um conceito distópico sobre manipulação emocional e mental, escancarando as portas da revolução científica dentro do campo das pesquisas farmacêuticas. Nessa esteira narrativa, o filme em tela traz uma discussão sobre os questionamentos de ética profissional, do livre arbítrio, os limites impostos a uma pessoa e até onde ela tem autocontrole sobre suas próprias emoções.
Na trama, em um futuro próximo, as pessoas condenadas têm uma chance de reduzir suas sentenças. Para isso, elas precisam se voluntariar como cobaias para experimentos médicos com drogas que alteram as emoções humanas. E isso ocorre em uma penitenciária de última geração, situada em uma ilha, administrada pelo brilhante e visionário cientista Steve Abnesti (Chris Hemsworth, de “Thor”, 2011). Os detentos usam um dispositivo conectado cirurgicamente em seus corpos, que administra as doses de determinadas drogas em pequenos frascos que podem manipular e alterar significativamente o humor e as emoções da pessoa.
Jeff
(Miles Teller, de “Top Gun: Maverick”, 2022) é um dos condenados que escolhe
participar dos experimentos na instituição em troca de comutar sua pena. Porém,
os experimentos se tornam cada vez mais sádicos, e Jeff é forçado a assistir
outros condenados a passarem por testes dolorosos com uma nova droga, conhecida
como Darkenfloxx, que os faz suportar temporariamente medo e sofrimento
extremos. Com isso, Jeff entra em conflito com Steve assim que começa a
questionar a realidade de suas emoções e os duros procedimentos pelos quais os
outros detentos têm que passar.
Dirigido por Joseph Kosinski (“Top Gun: Maverick”, 2022) e roteirizado por Paul Wernick e Rhett Reese (“Deadpool”, 2016), “Spiderhead” é uma ficção científica baseada no conto “Escape From Spiderhead”, escrito por George Saunders e publicado no The New Yorker em 2010. A trama de “Spiderhead” foca em Jeff e Lizzy, dois detentos na tecnológica penitenciária, sem grades ou celas; e os voluntários encarcerados podem circular livremente pela moderna instalação. Quando a dupla se junta, seu cotidiano toma uma reviravolta à medida que os experimentos de Abnesti começam a testar os limites do livre arbítrio durante as sessões – e vai ficando cada vez mais complicando quando Jeff e Lizzy estão envolvidos nos testes.
Assim
como no conto original, a produção cinematográfica também segue uma distopia
futurista onde os presos são obrigados a usar um dispositivo que libera
dosagens de drogas em seu corpo que alteram a mente – mais especificamente
determinadas emoções e sentimentos. “Spiderhead” tenta capturar as complexidades
de tais experimentos de forma mais dinâmica e bem estruturada. E a produção o
faz alterando e incluindo informações em sua narrativa, em comparação com a
obra original – principalmente em relação ao final mais trágico que o escritor
George Saunders desenvolveu em seu conto.
“Spiderhead” não é um thriller de ficção científica comum. Muito de sua narrativa depende da curiosidade de sua premissa e das ações de seus personagens, mostrada ao público de forma curiosa, estranha e inquietante. Os experimentos se tornam cada vez mais manipuladores na medida em que o personagem de Chris Hemsworth empurra o personagem de Miles Teller com mais frequência através dos diferentes procedimentos, principalmente quando envolve outros detentos.
Essa manipulação é mais profunda e envolvente do que a simples interação entre os personagens de Hemsworth e Teller. Ela puxa o telespectador para junto da narrativa, entregando as informações ao público com a mesma conta gotas que os detentos recebem as informações que eles necessitam. Com isso, percebe-se o quanto a adaptação foi esticada e modificada para preencher a proposta que o molde da produção cinematográfica demandava para apresentar um filme coerente e amarrado.
A
produção de “Spiderhead” provoca o espectador da mesma forma que Steve manipula
seus prisioneiros com os diferentes soros que alteram a mente. A Trilha Sonora
de Joseph Trapanese equilibra entre música eletrônica e orquestral dos anos
1970 e 1980, criando uma sensação de desconforto que só cresce quando os
terríveis segredos começam a emergir. E isso aumenta cada vez mais a tensão nos
momentos cruciais da narrativa.
Outro
ponto provocante na história é criado pelo responsável de Designer de Produção, Jeremy Hindle,
que trabalhou com o diretor Kosinski em “Top Gun: Maverick”. Hindle monta uma
prisão vagamente futurista visualmente; o resultado lembra o interior de uma
espaçonave de ficção científica com um escritório ameaçador no centro. Com isso,
Kosinski consegue captar um ambiente cenográfico tão frio e, às vezes, assustador,
que Jeff fica visivelmente nervoso – principalmente quando está no escritório
de Steve.
Todos esses elementos narrativos apresentados em “Spiderhead” são apresentados de forma instigante e provocante, de modo a prender a atenção e curiosidade do público acerca dos experimentos ocorridos na instalação prisional. De certo modo, o telespectador caminha sob o mesmo ângulo que os detentos, sabendo menos do que Steve realmente permite. Ou seja, o público sabe tanto quanto os detentos, recebendo as informações na mesma dose que estes, conforme a narrativa se desenrola.
“Spiderhead”
é um filme típico de Kosinski, com elementos narrativos que levam a sua assinatura,
tais como a arquitetura modernista e empregando a Fotografia de Claudio Miranda e a Trilha Sonora
de Joseph Trapanese. E, além dos brilhantes elementos visuais e sonoros, Kosinski
também trabalha o elemento emocional de seus personagens.
O arco de redenção de Jeff é genuinamente comovente. Miles Teller entrega uma excelente atuação, fazendo um ótimo trabalho ao extrair todo o núcleo emocional que seu personagem requer. Com isso, Teller se mostra excepcional e convincente ao mostrar um personagem claramente incomodado, arrependido e um pouco amedrontado – além de demonstrar um forte sentimento de liderança.
O
desempenho de Chris Hemsworth é excelente e carismático, porém está bem caricato
(principalmente com seu sorriso e trejeitos sarcásticos). Ele interpreta um
brilhante, inovador e descontraído cientista, que está completamente dedicado à
sua missão científica e ciente dos sacrifícios exigidos para se chegar ao resultado;
mas seu tom não parece se encaixar na narrativa. Com isso, sua performance parece
um pouco forçada e exagerada, embora bastante elegante. Entretanto, Hemsworth
consegue provar seu talento para além dos filmes de super-heróis, conseguindo expandir
seu leque de opções para outros gêneros cinematográficos, com sucesso.
O personagem de Steve, embora se mostre bastante manipulador e, literalmente, tenha o controle da ciência na palma da mão, se apresenta de forma bem fraca. O empenho do filme em projetá-lo como protagonista da história não consegue convencer muito, principalmente quando a narrativa tenta formar um vínculo entre Steve e Jeff.
Isso
dificulta um pouco o entendimento acerca da temática que o filme quer
apresentar. Ou seja, “Spiderhead” não consegue decidir se quer ser um thriller
científico paranoico ou uma sátira sombria. De qualquer forma, entretanto, o
filme em tela entrega uma narrativa e cenários estilosos, conseguindo agradar
com uma premissa bastante interessante.
“Spiderhead” é uma ficção científica conceitualmente intrigante, com reviravoltas que se encaixam muito bem na proposta – mesmo que a adaptação cinematográfica modifique e adicione vários fatos narrativos diversos da obra original. Mesmo se perdendo um pouco no tipo de temática que a produção quer seguir, a produção funciona surpreendentemente bem; e de forma chamativa também, pois as estéticas visual e sonora elevam a história para algo mais do que sua simplicidade, de forma elegante.
Embora
não seja um filme memorável, “Spiderhead” consegue entregar uma história
satisfatória, apresentando elementos narrativos atraentes e, às vezes, perturbadores
– a sensação de incômodo é frequente. Com isso, o filme em tela explora muito
bem uma história de ficção científica com viés psicológico, discutindo
preocupações no campo científico e tentando estabelecer qual é o limite sobre ciência,
ética, poder, controle, emoções próprias e consentimento. Nessa esteira, “Spiderhead”
é um thriller de ficção científica envolvente que consegue entreter e tem potencial
para prender a atenção.
“Spiderhead” está disponível na Netflix.
Nota: 6.5
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