Com trama despretensiosa, longa indicado ao Oscar de melhor filme emociona e conscientiza.

Inclusão e representatividade. Duas palavras que não deveriam ser raridade no cinema. Filmes envolvendo pessoas surdas e a língua de sinais são minoria e, até pouco tempo, nunca tínhamos visto uma heroína surda, como a Makkari (Eternos) nas telonas. Dando um passo significativo nesse processo de representatividade temos o filme da crítica de hoje.

No Ritmo do Coração, cujo nome original é CODA, uma sigla inglesa que significa child of deaf adults (filha de adultos surdos),  é uma comédia dramática  estadunidense lançada em 28 de janeiro de 2021 no Festival Sundance. A Apple TV+ adquiriu os direitos do longamentragem que teve sua estreia em seu streaming, bem como nos cinemas alguns meses depois. 

O longa, que é baseado no francês La Famille Bélier de 2014, dirigido por Éric Lartigau, é escrito e dirigido por Sian Heder, conhecida por Tallulah (2016), e acompanha a vida de Ruby Rossi (Emilia Jones) uma jovem que é a única ouvinte dentro de uma família onde os demais membros são surdos. 

Ruby vive os dilemas típicos do dia-a-dia de uma adolescente e ainda por cima precisa lidar com a responsabilidade de ser a intérprete de sua família em boa parte do tempo, o que torna sua rotina pra lá de desgastante. Como a renda familiar vem da pesca, a jovem se vê no desafio de conciliar o trabalho com a escola e, mais tarde, precisará escolher entre seu sonho na música ou continuar presente para sua família em tempo integral.

Preparem os lencinhos, pois No Ritmo do Coração é a combinação perfeita de sensibilidade, emoção e carisma. A trama tem fluidez, é objetiva e notavelmente despretensiosa. Sua simplicidade cativa, ao mesmo tempo que comove, sem deixar de lado o tom bem humorado e solar.

De forma provocativa e, sobretudo, conscientizadora, o filme alterna seus pontos de vista para assim entregar sua mensagem com mais intensidade. Em determinados momentos somos colocados na perspectiva da pessoa surda e de fato conseguimos perceber como o mundo é pouco inclusivo. A língua americana de sinais não é apenas um detalhe. Ela é central e fundamental. Além disso, a trama consegue incomodar o espectador no sentido positivo, instigando-nos a mudança e a ter outro olhar até mesmo sobre as situações mais corriqueiras.

O roteiro de Heder, que concorre a categoria de melhor Roteiro Adaptado do Oscar 2022, é construído minuciosamente de forma a mostrar os desafios da família Rossi, mas deixando evidente que eles são uma família como outra qualquer e que, portanto, possuem momentos leves e divertidos, mas também são imperfeitos e cometem excessos.

A protagonista Ruby, vivida por Emilia Jones, da série Locke & Key, se apropria de sua personagem com segurança. Marlee Matlin, única atriz surda a vencer um Oscar, encarna a mãe de Ruby, Jackie, e entrega uma personagem que se faz presente na vida dos filhos, é carinhosa e ama incondicionalmente, embora às vezes possa ser egoísta, o que torna a história realista e fácil de se relacionar.

É importante destacar que Matlin foi a primeira a ser convidada para compor o elenco e ameaçou desistir da produção caso os demais atores contratados para interpretar os personagens surdos, não fossem surdos. Com essa pressão, os financiadores acabaram acatando a decisão e é justamente essa fidelidade à mensagem proposta que torna a experiência do longa ainda mais impressionante e verdadeira.

Uma das cenas mais emocionantes envolve Ruby e seu pai Frank, interpretado por Troy Kutsur, indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante por seu trabalho nesse longametragem. Além de ser responsável pelas cenas mais divertidas, ele consegue se sobressair por sua profundidade e carisma em cena. Impossível não se emocionar!

Os números musicais, que têm relação com o talento de Ruby, ainda de certa forma adormecido para a música, são um tempero a parte. Tanto os momentos com o coral, bem como seu dueto, trazem melodias gostosas de se ouvir. Eugenio Derby interpreta seu professor e é uma peça chave no desabrochar da protagonista. Ainda que o romance seja água com açúcar e a atmosfera escolar não traga nenhuma novidade, esses elementos funcionam em sua simplicidade.

No Ritmo do Coração merecidamente concorre como melhor filme do Oscar 2022 e reverbera mensagens mais do que necessárias. Que essa indicação faça com o que o longa alcance ainda mais repercussão, pois lições sobre a importância da família e inclusão devem ser espalhadas aos montes. Assistam e se encantem!


Nota: 9,0





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