Com roteiro e direção acertados, "Belfast" esbanja sensibilidade ao acompanhar a vida de uma família em meio a um período histórico conturbado.
Como abordar um conflito e manter a leveza? Como representar dor, sofrimento e ainda assim fazer sorrir e acalentar? Encontrar o equilíbrio e dosar tantas emoções é provavelmente um dos principais desafios para todo roteirista e, como verão a seguir, o mais recente premiado com o Globo de Ouro de melhor roteiro, Kenneth Branagh, faz isso com maestria.
Belfast é uma comédia dramática lançada no dia 12 de novembro de 2021, escrita e dirigida por Kenneth Branagh. O longa é centrado na infância e olhar do pequeno Buddy (Jude Hill), em meio a um intenso conflito em sua cidade natal, Belfast, na Irlanda do Norte no final da década de 1960.
Kenneth Branagh conhecido por dirigir filmes como Hamlet (1996), Thor (2011) e Assassinato no Expresso do Oriente (2017), usa como inspiração sua própria infância para forjar os personagens dessa sensível história.
O filme retrata eventos verídicos e uma época conhecida na Irlanda como "The Troubles". Acompanhamos a população protestante de um lado, que era a maioria, e que queria uma maior proximidade com a Grã-Bretanha, e do outro a população católica que, por sua vez, defendia a independência ou mesmo a integração da Irlanda do Norte com a Irlanda do Sul, predominantemente católica, recorrerem à violência e à rebelião a fim de resolverem seus impasses sócio-políticos.
Com esse pano de fundo e sob os olhos atentos de Buddy somos apresentados à sua família e seus dilemas com diálogos repletos de carisma e honestidade, com lições tocantes sobre amor, família e tolerância religiosa.
O roteiro é construído de uma forma quase artesanal. Por mais simples que por vezes possa parecer, ele é bem estruturado e consegue prender a atenção. Ele alterna bem seus momentos leves, como o de Buddy na escola enquanto vive seu primeiro amor, com momentos nos quais somos impactados, por exemplo quando vemos o desespero de uma mãe à procura do filho em meio à rebelião.
Belfast é filmado em preto e branco e tem uma fotografia irretocável. Admito que o preto e branco é algo que costuma me incomodar, no entanto, não posso negar que essa escolha deu a carga emocional necessária para a trama, que encontra cores apenas quando o menino se aventura no lúdico, e uma sensação de nostalgia quase indescritível. E nesse ponto Belfast me lembrou muito e, positivamente, um outro filme que adoro, JoJo Rabbit (2019). Temos a inocência do protagonista em meio a uma atmosfera sombria de conflito e conseguimos ver a dualidade de sentimentos de uma forma quase ingênua.
O iniciante Jude Hill é um verdadeiro achado. Ele é uma peça vital para a essência e bom funcionamento da trama, pelo seu carisma natural e desempenho afiado. Caitríona Balfe, atriz conhecida pela série de sucesso Outlander, dá vida a mãe de Buddy e está impecável. Ela é responsável por trazer o fardo emocional para o longa.
Quem rouba a cena no filme é Ciarán Hins (Game of Thrones), o avô de Buddy. Sua atuação é acolhedora e repleta de ternura. Um verdadeiro acalanto para o público. Se repararem, não sabemos o nome dos familiares do menino. Só temos contato com a forma com a qual ele os chama: mãe, pai e etc. Isso dá um toque afetivo que parece passar desapercebido, mas que na verdade cria raízes sem ao menos percebermos. E não esqueçamos da titã Judi Dench. Ela arrasa. Como sempre.
Não dá pra falar de Belfast sem exaltar sua trilha sonora. As canções são escolhidas a dedo e conseguem transmitir a energia de cada cena com sucesso, nos conduzindo de momentos vibrantes para os mais contemplativos ou dolorosos.
Belfast tem recebido algumas justas indicações na temporada de premiações. Espero vê-lo na lista do Oscar, pela merecida entrega ao telespectador. Um filme para se apreciar e refletir.
Nota: 8,0
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