É sempre tão bom ver um excelente ator voltar a atuar em filmes bons depois de tanto tempo em decadência protagonizando filmes ruins. Pois, como dizem, é no meio da lama que se encontram os diamantes; mesmo que demore muito tempo para que isso aconteça. E haja demora, cheia de incertezas e a esperança quase no limite.
É
o caso de Nicolas Cage em “Pig: A Vingança”, que, após decolar em sua
promissora carreira participando de excelentes filmes (tais como “A Outra Face”,
“A Rocha” e “Cidade dos Anjos”) e ganhando o Óscar de Melhor Ator e o Globo de
Ouro pelo filme “Despedida em Las Vegas”, em 1996. Porém, por uma certa
infelicidade, a carreira de Nicolas Cage declinou nos últimos 20 anos e o ator
passou a atuar em filmes, digamos, mais inferiores à sua qualidade.
Na trama, Nicolas Cage (de “A Lenda do Tesouro Perdido”, 2004) é Robin “Rob” Feld, um solitário ermitão caçador de trufas que mora no meio da floresta da região do interior de Oregon, apenas com a companhia de sua amada porca de estimação. Rob, com a ajuda de sua porquinha, caça raras e valiosas trufas negras na mata em que vive e, depois, vende para ser usado como ingrediente típico da culinária regional, utilizado em diversos pratos de luxo em vários restaurantes. Para isso, ele faz a colheita diariamente e recebe a visita semanal de apenas uma pessoa, Amir (Alex Wolff), que lhe serve como intermediário, comprando as trufas e sendo o encarregado de levar suprimentos para Rob.
Todavia,
quando a porca é misteriosamente sequestrada, Rob precisa voltar à civilização
e deve viajar para Portland, enfrentando fantasmas internos e pessoas que ele
buscava evitar; com isso, ele lidar com o seu passado em uma caçada reveladora
aos responsáveis pelo sequestro de seu animal de estimação. Para isso, Rob
entrará em uma jornada que pode ser emocionalmente desgastante e violenta.
Depois de tantos anos atuando em filmes ruins, como se fosse uma montanha-russa, “Pig: A Vingança” fez com que Nicolas Cage voltasse a brilhar de forma excepcional neste longa, que pode ser considerado o seu melhor filme dos últimos tempos. E isso se deve ao brilhantismo do diretor Michael Sarnoski, que dirigiu o longa e assina o roteiro ao lado da roteirista Vanessa Block, sendo este o primeiro longa-metragem de Sarnoski, dirigido de forma espetacular e com tremenda capacidade – o que foi uma ótima surpresa, considerando este seu primeiro longa.
Isso
tirou Nicolas Cage da baixa onda de produções duvidosas em que o ator estava, mesmo
fazendo uma média de até quatro filmes por ano. Assim, Cage volta novamente no
centro de um filme que, apesar da história parecer um tanto esquisita, é uma
produção mais marcante, diferente e bem melhor desenvolvida do que a maioria
das produções em que ele atuou nos últimos anos.
E o diretor Michael Sarnoski apresenta uma história bacana de forma calma, sem se apressar em apresentar fatos ou narrar acontecimentos de forma acelerada – tal como acontece em “De Volta Ao Jogo”, em que o protagonista também sofre com a perda de seu animal de estimação e vai atrás dos responsáveis por sua perda. As comparações dos dois filmes terminam nesta vaga lembrança e nada tem a ver um longa com o outro. Cai no erro quem pense que ambas as histórias são parecidas, pois as propostas são totalmente diferentes e as mensagens de cada filme são apresentadas completamente únicas em sua forma de ser.
Sarnoski
explora o personagem de Nicolas Cage de forma tão singular e profunda desde o
seu primeiro minuto em tela (e o ator o faz com tanta maestria), que consegue
surpreender com tamanha habilidade as características e defeitos que o
personagem apresenta. Basta ver a dificuldade que Rob tem em se comunicar com
outras pessoas após tantos anos isolado dentro da floresta assim que ele precisa
voltar à civilização; e, também, a extrema calma e exatidão com que Rob
apresenta sua personalidade com seus atos e determinação. Mesmo aparentando ser
uma pessoa amargurada, fria e calculista, Rob também tem sentimentos –
principalmente a dor da perda e do amor que ele tem pela porquinha, lógico; é esses
dois sentimentos que o movem a fazer tudo que ele precisa fazer e que movimenta
suas ações em toda a história de “Pig: A Vingança”.
Através dessas ações e de diálogos calmos, “Pig: A Vingança” vai conduzindo o telespectador através de caminhos que não ficam muito bem claros e objetivos, até que, finalmente, é revelado a intenção do personagem e seu plano de vingança se concretiza. Essa forma de manter o público no suspense sem saber, de fato, o objetivo do personagem principal até que este aconteça é uma grandiosa sacada que o roteiro teve o cuidado de não revelar até o final, tornando-o fascinante e estrategicamente escrito para surpreender com um final absurdamente inteligente, emocionalmente marcante e profundamente reflexiva. E o diretor o faz de forma a deixar claro que o filme em tela é um drama, e não um suspense; perfeitamente condizente com a proposta apresentada e mostrada através das feições, diálogos e atitudes dos personagens.
Além
do roteiro e direção excelentes, “Pig: A Vingança” também tem uma impecável e brilhante Direção de Fotografia, assinada por Patrick Scola. O longa em questão chama a
atenção por suas diferentes nuances, cada qual perfeitamente demonstrado nos
variados ambientes que o filme mostra ao longo de sua narrativa. Tendo passado
vários anos como ermitão dentro da floresta, é mais do que natural (e muito bem
representado no filme) que Rob sinta a diferença ao ter que voltar à
civilização, principalmente quando precisa ir à Portland. A Fotografia do filme
em tela conseguiu captar essas diferenças e como o personagem de Nicolas Cage
reage em cada uma delas, apenas demonstrando – de maneira perfeita – com suas
expressões faciais, haja vista que ele já se acostumou com o isolamento total
naquele determinado ambiente em que ele vive.
Outro ponto positivo para “Pig: A Vingança” é o excelente Figurino, Maquiagem e Cabelo, muito bem desenvolvido pela produção para caracterizar o personagem de Nicolas Cage. O fato de Rob passar o longa inteiro vestindo o mesmo figurino, machucado, todo sujo de sangue no rosto e roupa demonstra, completamente, o quanto ele está muito mais preocupado com sua porca com que com sua própria aparência. E ele está disposto a confrontar quem quer que seja, não importa quem ou onde para ter sua porca de volta, independente do quanto sua aparência está horrível, pois ele se importa mais com a porca do que com sua aparência, justamente pelo fato dele amar tanto seu animal de estimação. “Pig: A Vingança” consegue transpor esse sentimentalismo dramático de forma profunda e reflexiva, demonstrando o amor e preocupação que um ser humano pode ter por seu bichinho – às vezes, mais do que consigo mesmo, como é demonstrado no longa em questão.
Essa
transposição sentimental e dramática que o personagem de Nicolas Cage tem pela
sua porquinha, bem como o confronto que ele faz durante o ciclo de recuperação
pelo animal, é que faz de “Pig: A Vingança” um belo filme de drama, e não um
mero suspense. E o filme em tela retrata essa expressão humana sobre o amor e a
dor da perda de forma profunda e reflexiva, através da trajetória de um homem
que fez tudo o que fez durante o longa encardido de sangue e bastante machucado.
E ele não se importa com nada disso, haja vista que sua maior preocupação é
recuperar seu animal de estimação, que, para ele, é muito mais importante do
que suas vestes sujas e sua aparência machucada.
Depois de alguns anos atuando em filmes trash e de terror B, Nicolas Cage ainda mantém seu talento intacto, mesmo empurrando sua carreira ladeira abaixo com tais filmes decadentes nos últimos tempos. Porém, o ator consegue se destacar em uma produção excelente, que salta aos olhos e com uma atuação inesquecível – principalmente por ser um lançamento em meio a tão poucas novidades no período em que estamos.
Nicolas
Cage convence e se destaca em “Pig: A Vingança” nos detalhes e trejeitos, haja
vista que seu personagem é um homem que fala de menos e se comunica mais pelas
expressões faciais; e o ator consegue transmitir isso com bastante capacidade.
O que é mais um ponto positivo, pois, além de reforçar o talento do ator, faz o
filme em tela brilhar ainda mais e passar a mensagem que o roteiro quer
transmitir, de forma brilhante.
Embora o filme em questão tenha apenas 90 minutos, “Pig: A Vingança” não se apressa em contar uma história emocionante, reflexiva e profunda sobre um homem que ama a solidão e sua porquinha de estimação, mas também não perde tempo em precisar narrando e explicando certos detalhes que já são facilmente percebidos pelo público já logo no início. Não se apressar em contar a história torna o filme lento, mas está muito longe de ser um filme arrastado; o que são coisas bem diferentes. A dramaticidade e melancolia de uma história dependem do ritmo em que o longa é contado e, neste caso, é imprescindível que a narrativa seja mais lenta do que, por exemplo, no filme do John Wick, haja vista que as propostas são totalmente diferentes e incomparáveis.
A
distribuidora Neon comprou os direitos de distribuição de “Pig: A
Vingança” em 2020, lançando o filme apenas nos cinemas norte-americanos em
16 de julho de 2021. O filme chegou ao Brasil apenas em janeiro de 2022, de forma
bem despercebida e discreta. O que foi uma pena enorme, pois o filme em tela
excedeu expectativas e conseguiu surpreender pela sua forma inesquecível de
contar uma história simples e profunda sobre o sentimento humano, felicidade e
amor pelos animais, dor e perda, solidão e luto.
“Pig: A Vingança” está disponível no catálogo do streaming do Telecine.
Nota: 9.0
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