Apesar de sua trama arrastada, "Spencer" traz uma atuação impecável de Kristen Stewart.

Ana Bolena foi a segunda esposa do rei Henrique VIII e seu casamento causou bastante polêmica na época (século XVI). Entre inúmeras histórias, ao ser vista como uma ameaça, a rainha consorte do Reino da Inglaterra foi acusada de um adultério que nunca fora provado, quando na verdade era seu esposo, o rei, quem de fato a traía. Ana Bolena foi executada por essa e outras razões, segundo o que contam alguns historiadores. E, vale lembrar, que assim aconteceu com muitas outras rainhas no decorrer da história.

É na biografia de Ana Bolena que temos a raiz da película da crítica de hoje, pois assim se via Diana Spencer, também conhecida como a Princesa de Gales, ou talvez seja assim que queriam que ela se visse, como alguém ameaçada, por sua personalidade questionadora e transgressora de padrões.

A realeza britânica é desde sempre assunto de inúmeros filmes, séries e documentários. Toda a pompa e tradição atraem a atenção do mundo inteiro. E não seria diferente na mais recente obra que traz à tona um fragmento da vida da princesa que morreu tragicamente em um acidente automobilístico.

Spencer é um drama biográfico dirigido por Pablo Larraín e com roteiro assinado por Steven Knight. O longa acompanha um período da vida de Diana, no qual ela está disposta a terminar seu casamento com o Príncipe Charles (Jack Farthing) e assim deixar de ser membro da Família Real Britânica.

O filme se passa quase que em sua totalidade em uma única locação, Sandringham Estate, a casa onde a família passa as festividades do Natal. Acompanhamos a agonia de Diana e o quanto estava insuportável para a princesa manter sua vida minuciosamente regrada dentro dos padrões reais, em meio a diversos transtornos, entre eles a já conhecida bulimia.

Pra quem acompanha a série The Crown, pode parecer que o assunto já sofreu esgotamento, mas se engana. Spencer, que se aproveita do título para enfatizar o sobrenome de nascimento de Diana, consegue trazer detalhes e novidades acerca da personalidade da princesa, uma vez que é absolutamente centrado nela. É interessante, que os demais personagens que pensaríamos ter grande destaque na trama, na verdade pouco participam, como é o caso do príncipe Charles e da Rainha Elizabeth (Lore Stefanek). Em contrapartida, é seu contato com seus filhos, bem como com alguns funcionários, entre eles Alistair Gregory (Timothy Spall), que garantem o andamento da narrativa e são abordados com maior atenção.

Pablo Larraín está acostumado a filmar biografias. O diretor, que também trabalhou em Jackie (2016), que narra a vida da esposa do presidente Kennedy, traz seu estilo de filmagens de angulação aberta e movimento que são refinados e encantam. No entanto, a estrutura do filme pode incomodar pelo ritmo arrastado, pela falta de crescentes naturais e de eventos realmente marcantes na vida da personagem.

Acompanhamos apenas alguns dias da vida de Diana, o que pode ser frustrante por aqueles ávidos por desfechos. Não que uma biografia precise contemplar toda a vida de uma pessoa, mas três dias são suficientes para criar um contexto bem embasado? A resposta para esse filme especificamente é não.

O roteiro de Steven Knight, conhecido por Peaky Blinders, explora os transtornos de Diana com audácia e remete à traição de Charlie sem hesitar. O filme vai além, ao evidenciar os aspectos da relação dela com sua funcionária, Maggie (Sally Hawkings). Mas é importante ressaltar, que ainda assim, ele tenta manter os membros da família real em certa "segurança", quando constantemente coloca personagens para falarem que eles não são tudo aquilo que a princesa pensa. Acima de tudo, o roteiro cria um drama difícil de se envolver, já que se perde no próprio objetivo.

Com tantas falhas em sua construção, Spencer acaba por se firmar na brilhante e surpreendente atuação de Kristen Stewart. A atriz que se tornou um fenômeno por meio da saga Crepúsculo e que já recebeu inúmeras críticas por suas atuações, em especial no início de sua carreira, se dissocia totalmente de si e encarna Diana com excelência. É impossível enxergar Kristen ali. As primeiras imagens já haviam mostrado a tamanha semelhança entre Kristen e Diana, graças ao trabalho impecável de maquiagem e figurino, e o filme mostra que todo o gestual, sotaque e postura foram explorados com cuidado pela atriz que é uma forte candidata a vencer os principais prêmios da temporada.

O filme humaniza a princesa e ressalta exclusivamente seu ponto de vista. Expõe suas fragilidades e enfatiza sua relação com os filhos, que aparentemente foram seu ponto de equilíbrio por muito tempo. A história ainda questiona diversos aspectos da família real, em especial a obsessão por regras, que vão desde não permitir a escolha de uma roupa, já que tudo tem que ser previsto e calculado, até dirigir sem escolta e motoristas. Somado a isso, temos ainda a solidão intensa de se estar cercado por pessoas treinadas para responderem de maneira mecânica até mesmo a um simples questionamento.

A narrativa tenta atingir seu clímax no terceiro ato, mas se perde em meio a confusão de sentimentos de Diana, que é decidida, que às vezes aluscina, ou talvez seja apenas mimada, fica difícil ter certeza. O próprio espectador se confunde com o emaranhado de reações. O final do longametragem acaba por ser desajeitado e forçar um final "feliz".

Mais uma vez temos um a história de Diana contada num formato pouco "consumível" pelo público. No entanto, pode-se dizer que um passo além foi dado ao trazer à tona um outro lado de uma das princesas mais lembradas de todos os tempos.

Nota: 6,5

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