Mesmo com o seu excesso de diálogos expositivos, o novo capítulo de “Matrix” mostra que a franquia e a diretora Lana Wachowski ainda tem muito sobre a indústria e a nossa forma de consumir cultura para contar.
Em Matrix Resurrections o público assistirá uma continuação direta para a história apresentada no primeiro filme. Uma nova aventura alucinante com ação em escala épica, que se passa em um mundo bastante familiar, será vista, mas com uma trama ainda mais provocativa, na qual tudo o que é necessário para que a verdade venha à tona está ligado em libertar sua própria mente.
O primeiro filme de “Matrix” é um marco na história do cinema e da cultura pop mundial, e por mais que as sequências não tenham agradado todos os fãs, continua sendo um filme revolucionário e impressionante até os dias de hoje. As diretoras Lana e Lilly Wachowski (Matrix, Speed Racer) passaram por muitas mudanças importantes em suas vidas desde a criação dessa tão celebrada trilogia. Embora Lily não tenha tido interesse em trabalhar em um novo filme da franquia, Lana Wachowski no entanto teve uma ideia sobre um quarto filme após vivenciar algumas perdas em sua vida, que somada a algumas ideias que tinha, resultaram em “The Matrix: Resurrections”, um dos filmes mais fascinantes do ano.
A trama se passa cerca de 60 anos após os eventos da trilogia, com uma nova equipe da resistência tentando salvar Neo (Keanu Reeves) de dentro da Matrix, onde passou os últimos anos sendo manipulado por ela. Neo é agora um designer de games famoso que desenvolveu uma popular trilogia de jogos de muito sucesso chamada “Matrix”, e a empresa (Warner Bros.) está interessada em fazer um quarto jogo da franquia para reviver ela e lucrar mais ainda.
A primeira hora do filme é irretocável. Toda a metalinguagem e comentários da diretora sobre remakes, sequências e derivados que a indústria tenta produzir de franquias que já tiveram um bom encerramento é maravilhoso, com um toque melancólico mostrando a difícil jornada do desenvolvedor que nesse caso tenta a todo custo reproduzir o sucesso da obra original, mesmo muitas vezes não entendendo o que fez ele fazer sucesso. Toda a montagem mostrando a vida da Matrix, como as pessoas não vivem sem seus celulares e aparelhos é uma crítica bem simplista mas que funciona bem.
Ao passar dos anos, muitas interpretações sobre quais eram as mensagens e paralelos que Matrix fazia surgiram na internet, desde mensagens sobre transição de gênero até conspirações negacionistas. Toda a estética e mensagens no entanto acabaram sendo “sequestradas” pela extrema direita, e a diretora aproveitou sim esse novo filme para tentar ao máximo tirar Matrix desse tipo de visão. É quase como se o filme tivesse sido feito com esse propósito, e isso é mais um atributo extremamente satisfatório e inteligente, mostrar que as pessoas realmente não entenderam Matrix.
Temos também os retornos de Keanu Reeves (John Wick, Velocidade Máxima) e Carrie-Anne Moss (Jessica Jones, Amnésia) como Neo e Trinity. Keanu Reeves não é conhecido por ser um ator ultra talentoso, mas seu charme e carisma consegue convencer em alguns momentos, mas no geral ele está interpretando a si mesmo no filme. Já Carrie é quase o que move a trama, já que Trinity ganha um papel muito mais importante nesse filme. A química dos dois no entanto continua perfeita, gerando cenas bem emocionantes.
Já Jessica Henwick (Amor e Monstros, Punho de Ferro) como Bugs e Yahia Abdul-Mateen II (Aquaman, Watchmen) como Morpheus estão ótimos, sendo boas adições ao elenco e interpretando personagens interessantes. Contudo, os personagens mais complicados do filme são de longe os dos atores Jonathan Groff (Mindhunter, Hamilton) e Neil Patrick Harris (Garota Exemplar, Desventuras em Série), que interpretam uma nova versão do Agente Smith e o Arquiteto/Analista por trás da Matrix. São papéis muito complexos dentro da trama, mas os dois atores entregam muito bem os diálogos e o carisma necessário.
O filme traz algumas participações especiais de alguns personagens secundários dos primeiros filmes, como Niobe (Jada Pinkett Smith), Sati (Priyanka Chopra Jonas) e Merovingian (Lambert Wilson), que tem sentido na trama e não servem apenas como referências vazias. Existe no entanto uma participação em especial de um ator/diretor que é simplesmente genial, e os fãs de Matrix que conhecem bem a franquia com certeza vão pirar.
Todos sempre fazem piadas com o diretor Christopher Nolan (A Origem, Tenet) por explicar toda a trama de seus filmes e colocar os personagens fazendo diálogos expositivos a todo momento. Pode-se dizer que Nolan ficaria orgulhoso de “Matrix: Resurrections”, visto que a todo hora os personagens estão tentando explicar a “trama complexa”. O que deixa todos esses diálogos frustrantes é a falta de um recurso narrativo ou visual para deixar eles mais dinâmicos e interessantes, sendo apenas toneladas de informações jogadas sobre o espectador.
Falando em recursos narrativos, a diretora tomou uma escolha curiosa de utilizar cenas dos filmes antigos para exemplificar, relembrar ou revelar alguma informação importante da trama. Nem todas funcionam (algumas são bregas ou idiotas), mas esse é um pequeno detalhe bem interessante que agrega uma certa identidade para o filme, e casa com toda a proposta dele.
Uma das coisas mais interessantes e chamativas da franquia Matrix são os visuais e as roupas dos personagens, e nesse novo filme isso não é diferente (com destaque para os belíssimos ternos utilizados pelo Morpheus). A fotografia do filme feita pela dupla Danielle Massaccesi (Projeto Gemini, A Viagem) e John Toll (Coração Valente, O Último Samurai) é linda, com uma paleta de cores (azul, vermelho, verde e amarelo) que deixa todo o visual bem mais vistoso. Destaque positivo também para o trabalho dos compositores Johnny Klimek (Deadwood, Corra, Lola, Corra) e Tom Tykwer (Babylon Berlin, Sense8), que criam trilhas épicas e emocionantes que casam com as cenas do filme.
As cenas de ação do filme são competentes e bem feitas, mas estão longe de causar o impacto que foram as cenas de ação do primeiro Matrix. É compreensível que seja quase impossível reproduzir o impacto que foi o primeiro Matrix (e como já disse, esse é meio que um dos temas do filme), mas mesmo assim algumas sequências são bem interessantes, como a luta de Neo contra o Agente Smith e toda a perseguição final, que é muito bem filmada.
Felizmente, “The Matrix: Resurrections” é um filme que está dividindo as opiniões das pessoas na internet. Extremamente corajoso, ele é uma resposta não só para a indústria, mas para filmes como “Star Wars: O Despertar da Força” e todos esses reboots/sequências que tentam surfar na nostalgia apenas para tentar reviver uma propriedade intelectual de forma vazia e plástica. Tem seus problemas, mas todas as reflexões e comentários metalinguísticos compensam cada segundo de exposição.
Nota: 8.
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