"La Casa de Papel" sofre com algumas lacunas e excessos em seu final, mas garante emoção e entretenimento.
Chega ao fim uma das séries de maior sucesso da Netflix. De acordo com o portal Fórmula TV, a Netflix Espanhola anunciou que a quinta temporada de La Casa de Papel superou o próprio recorde de audiência e foi assistida por 69 milhões de contas, enquanto em sua temporada anterior, a série havia sido vista por 65 milhões de contas ao longo do mesmo período.
La Casa de Papel é uma série policial dramática espanhola criada por Álex Pina, conhecido também por shows como Vis a Vis. A história narra dois assaltos meticulosamente preparados e liderados por um homem que usa a alcunha de Professor, sendo um deles à Casa da Moeda Real da Espanha e o outro, mostrado na mais recente e última temporada, no Banco Central da Espanha.
A temporada final, que foi lançada em duas partes, apresenta os desdobramentos finais do assalto mais ambicioso de todos os tempos. Não dá pra negar que a essa altura e com toda a repercussão em torno do show, La Casa de Papel já se tornou uma série favorita na vida de muitos. Seus personagens carismáticos e acima de tudo emblemáticos, bem como seu estilo de trama ágil e repleto de reviravoltas, rapidamente conquistaram o público. No entanto, devo dizer que sua reta final exibe alguns equívocos e conta com desfechos um tanto quanto apressados e pouquíssimos ousados quando comparados ao histórico das temporadas. Mas calma que não é nada que afete o bom e velho entretenimento.
A primeira parte da reta final traz como principal evento a morte da narradora e uma das principais personagens da série, Tóquio (Úrsula Corberó). Se engana quem acha que após sua morte ela deixa de narrar a história. A voz da personagem continua a narrar algumas cenas até o seu último episódio. E sim, ela morreu. Algumas teorias traziam a possibilidade daquilo ser parte de um sonho, imaginação, mas era real. Sua narração ter persistido ficou desconexo de certo modo, mas o forte apelo da personagem certamente falou mais alto na escolha do roteirista.
O início da segunda parte da última temporada traz a confirmação do ocorrido e o impacto emocional que isso tem nos demais integrantes do grupo de ladrões, em especial em Rio (Miguel Herrán) e no Professor (Álvaro Morte). O que parecia ser apenas o início de muitas perdas, na verdade fica estagnado, já que mais ninguém do grupo principal morre. Talvez se a temporada tivesse sido lançada em uma única leva de episódios, a morte de Tóquio reverberasse de forma mais intensa e por mais tempo para quem assiste.
Sem mais perdas ou mortes relevantes, o ápice do volume final acontece logo após a equipe de assaltantes liderada por Sérgio conseguir retirar todo o ouro do Banco da Espanha e transformá-lo em lingotes. O que eles não esperavam era que provariam do próprio veneno ao serem roubados pelo filho de Berlim (Pedro Aloson), Rafael (Patrick Criado), e Tatiana (Diana Gómez), a ex-esposa do irmão de Sérgio. O plot twist surpreende, ainda que saibamos que de alguma forma esses personagens seriam inseridos ao contexto do assalto eventualmente. Os vários flashbacks da primeira metade da temporada final mostraram enfim sua razão de ser, uma vez que deixaram o público a par de como era relação de Berlim com sua esposa e o filho e, agora na parte dois, eles mostram o abalo sofrido na relação quando Rafael se apaixona por Tatiana.
Um grande acerto da trama está na explicação do roubo em si. Finalmente o passo a passo do plano é destrinchado e apesar dos inúmeros desdobramentos, sua parte central é mostrada de forma bem didática, sendo um dos grandes atrativos da temporada. Outro ponto alto está na operação policial finalmente bem sucedida pra retomada do banco, envolvendo a soldado do exército que age às escondidas. Finalmente vemos que existe ao menos uma mínima competência nos órgãos de segurança, já que durante boa parte do tempo pareceu que os ladrões estavam lutando contra completos amadores.
O retorno do Professor para o interior do banco no intuito de recolocar o plano nos trilhos é também um marco do serie finale. A cena traz comoção, indica revolução e é um acerto estético. Além disso, as perseguições ao longo dessa última parte são sempre eletrizantes e garantem a diversão de sempre.
Quanto a construção dos personagens, temos algumas frustrações. A começar, Alicia Sierra (Najwa Nimri) de torturadora, em cinco episódios, é humanizada e torna-se um membro efetivo da equipe com uma bondade de dar inveja. É possível de fato se afeiçoar a ela em seu contato com a bebê e com o Professor, mas transformá-la em uma pessoa benevolente em espaço de tempo tão curto fica completamente deslocado e notadamente de extrema conveniência ao roteiro, por mais que tentem amparar e justificar isso com o passado da investigadora.
Se ainda tínhamos dúvidas sobre as motivações do Professor, não temos mais. É possível perceber que existe um prazer real em roubar e não apenas uma necessidade. E é dele que parte uma frase extremamente brega e possivelmente o pior diálogo de toda a série. Em certo momento, ele diz a Tamayo (Fernando Cayo) que seu pai era ladrão, que seu irmão era ladrão, sua noiva também, e que seu filho um dia será. A conotação de orgulho por ser ladrão desconstrói toda a empatia em torno do seu personagem. Não apenas essa cena é brega como ainda todo aquele pedido de noivado amarrado, enquanto os companheiros estão a ponto de serem executados. Novelesco e repleto de excessos.
A relação entre Denver (Jaime Lorente), Estocolmo (Esther Acebo) e Manila (Belén Cuesta) também é outro arco que é abordado de maneira desajeitada. Em meio a tantos perigos, assistimos Denver trair Estocolmo com Manila, e pouco depois descobrimos que aquilo é apenas uma barriga de roteiro, e que tudo não passa de fogo de palha. Temos tempo ainda para assistir Denver reparando sua relação com Estocolmo, como se nada estivesse acontecendo no Banco e como se o plano não estivesse prestes a ruir.
Quanto ao desfecho central, temos uma negociação por baixo dos panos entre autoridades e ladrões, com direito à simulação de não uma ou duas, mas da morte de TODO o restante do grupo. Todas as mortes "fakes" tem como objetivo arrumar um jeito de não deixar nenhum deles ir preso. Um final feliz DEMAIS e visivelmente construído para agradar a audiência sedenta por clichês. Uma pena que essa zona de conforto tenha soado de certo modo desinteressante e irreal demais até mesmo para os padrões de La Casa de Papel.
Percebe-se, portanto, que tramas que pouco acrescentam tomaram lugares de outras que importavam e, por isso, temos algumas lacunas. Arturo (Enrique Arce), por exemplo, sabemos que ficou bem apenas por uma breve menção feita por Estocolmo. E quanto a filha e mãe de Raquel (Itziar Ituño)? Como elas se juntarão a ela, sem chamar atenção para o grupo? Raquel abriu mão de fato de sua família por amor? Somado a isso, Ángel que seria o ponto de equilíbrio e talvez único de índole não duvidosa na série merecia um desfecho próprio. Ele aceitou todo o trato tranquilamente?
A pauta política da série segue viva. Bons e maus existem de fato? Ou é apenas um jogo de oportunismo e conveniência? Nos afeiçoar pelo subversivo mostra que de fato estamos numa crise social sem precedentes. E, vale ressaltar, que o plot do ouro que na verdade era latão, apesar de forçado, toca numa reflexão profunda sobre a economia global que não passa meramente de ficção.
Chega ao fim, portanto, um fenômeno, que ainda que tenha derrapado por vezes, coleciona mais acertos do que erros. Seu sucesso já garantiu um spin-off que girará em torno da vida de Berlim. Será que vem outro sucesso por aí?
Nota: 7,0
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