Estranho, inusitado, interessante e um pouco impactante. Estas foram as minhas reações ao assistir o filme francês “A Nuvem”, que chegou à plataforma da Netflix no último dia 6 de agosto.
Chegou
a vez dos gafanhotos ganharem destaque na extensa lista de predadores
assassinos sanguinários em um filme de terror onde os bíblicos animais adotam
sangue como fonte de alimento.
No longa, Virginie mora em uma fazenda com os filhos adolescentes Laura e Gaston, criando gafanhotos para produção de farinha e comercializando os animais como fonte de proteína à pessoas interessadas. Com sérios problemas financeiros e preocupações do cotidiano, incluindo a rebeldia e insatisfação da filha mais velha em morar na fazenda, Virginie começa a enfrentar outro problema: os gafanhotos param de crescer e de se reproduzir. Entretanto, ela acidentalmente descobre que os gafanhotos desenvolvem um repentino e peculiar apetite por sangue após ela cair dentro da estufa e cortar o braço, espalhando sangue no local. Com isso, ela decide alimentar os gafanhotos com muito sangue, para que eles voltem a se reproduzir e ela, ganhar dinheiro. Porém, como o ser humano não tem 100% de controle sobre a natureza, a situação se descontrola, Virginie perde as rédeas sobre os animais (que precisam se satisfazer com mais e mais sangue) e o caos toma conta.
Sem
explicação científica alguma, “A Nuvem” nos mostra, simplesmente de forma
repentina, que os gafanhotos começaram a gostar de sangue, embora o alimento
não faça parte da dieta dos insetos. Gafanhotos não são hematófagos (animais
que se alimentam de sangue); estes insetos são herbívoros. E
eles também são polífagos, ou seja, eles comem muito; por isso é que as nuvens
de gafanhotos devastam plantações inteiras. No filme em tela, Virginie estava
apenas alimentando os gafanhotos com grama fresca e água, o que, aparentemente,
não era suficiente para o crescimento e reprodução dos insetos.
A problemática que “A Nuvem” apresenta e nos faz refletir é a seguinte: ao tentar driblar as leis da natureza, introduzindo uma dieta à base de sangue para que os gafanhotos cresçam e se reproduzam, Virginie quebra a cadeia alimentar dos insetos em questão e altera a função biológica de uma espécie inteira. O que, de fato, funciona, pois os gafanhotos começam a crescer e se multiplicar exponencialmente. Isso implica que Virginie precisa arranjar mais e mais litros de sangue, custe o que custar, não importa de onde seja. E ela não vai medir esforços para que seu cultivo de gafanhotos cresça, a fim de que ela possa prosperar financeiramente, mesmo que para isso seja preciso arrumar sangue de onde menos se espera para alimentar sua criação.
O longa nos traz duas reflexões com essa temática. Primeiro, é a
ganância da personagem em querer que sua criação de gafanhotos multiplique o
mais rápido possível. O fato se dá pelo desespero da situação financeira em que
ela se encontrava: Virginie estava com muitas dívidas e estava à beira da
falência; sendo assim, precisou recorrer à criação de gafanhotos como último
recurso para ganhar algum dinheiro. Ao ver que os insetos quase não estavam se
reproduzindo e percebendo que os animais, inusitadamente, se interessavam por
sangue, Virginie, de forma desesperada, resolveu apostar na sorte e arrumar
muito sangue de onde podia. A ganância (ocasionada pela pressão das dívidas que
aumentavam, o risco de falência e mais as incessantes cobranças da filha
rebelde por uma vida melhor) deixou a mulher obcecada em precisar alimentar os
gafanhotos com esta nova dieta estranha.
A segunda reflexão que tiramos do filme em questão é o tremendo desequilíbrio ecológico e ambiental, ocasionados pela personagem principal. Virginie, ao descobrir o apetite dos gafanhotos por sangue, acaba estimulando–os a se alimentarem cada vez mais por este alimento, mesmo que sangue não faça parte da dieta dos insetos. Ao fazer isso, os gafanhotos de nada mais se alimentam; uma vez vivendo à base de sangue, então é de sangue que eles irão atrás, não importa de quem ou onde. A bola de neve começa a ficar maior, pois Virginie provocou um desequilíbrio ambiental e uma desordem natural em todo o sistema biológico de uma espécie, que saiu do controle de Virginie, se proliferou no meio ambiente, vai continuar se reproduzindo e vai causar um impacto natural em todo o mundo; tudo isso devido a gafanhotos que, agora, se alimentam de sangue. Uma espécie evoluiu com o estalar de dedos (o que é estranho e impossível, pois a evolução natural não dá saltos) e agora a vida deu jeito de fazê-los sobreviver no meio ambiente.
Agora,
só por conta da natureza para cuidar desses novos gafanhotos hematófagos – ou
quem sabe de uma sequência para explicar o futuro deles, pois “A Nuvem” termina
sem dar qualquer explicação sobre o real impacto ecológico e ambiental que a
nuvem de gafanhotos possam vir a causar e para onde os insetos realmente
migraram.
“A Nuvem” explora um tema com uma abordagem um tanto diferente de outros filmes de terror que exploram animais sedentos por sangue que perseguem pessoas. Está mais para um horror ecológico que mostra como a ganância do ser humano pode interferir no ecossistema e causar uma desordem natural de uma espécie, que apenas responde aos seus instintos básicos quando confrontados e precisa fazer o que for possível para sobreviver, causando, assim, um impacto natural no ecossistema.
“A Nuvem” está disponível na Netflix.
Nota: 6,5
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