Buzinadas, berros e palavrões em meio a compromissos atrasados no meio do trânsito caótico são bastante comuns em nosso cotidiano. Esses também são os elementos principais que compõem a trama de “Fúria Incontrolável. Todo mundo já passou por esses problemas no trânsito, mas o filme em tela leva a fúria e o descontrole a ultrapassarem o extremo na vida de pessoas normais, quase que no estilo de “Um Dia de Fúria” (1993), um filme que, mesmo após 28 anos, continua mais do que atual.

A trama do filme em tela é até simples e, ao mesmo tempo, um pouco assustadora, principalmente quando a loucura transforma um carro em uma arma mortal, fazendo um dia normal virar um inferno na vida de pessoas comuns; mas não chega mais a ser tão impactante assim hoje em dia, pois já estamos acostumados com essa rotina maluca. O estresse, o caos, o desgaste emocional na vida das pessoas e a forma como elas extravasam com outros motoristas durante o trânsito não é algo novo, porém assusta pelo excesso de loucura e brutalidade extravasada quando um ser humano não aguenta mais lidar com suas emoções enjauladas.

No longa, Rachel (Caren Pistorius, de “Máquinas Mortais”, 2018) está atrasada para o trabalho e sai correndo de carro para deixar o filho, Kyle (Gabriel Bateman, de “Brinquedo Assassino”, 2019) na escola mas, durante o trajeto em pleno engarrafamento, ela pega um desvio e dá de encontro com um motorista lento parado em um semáforo verde (Russell Crowe, de “72 Horas”, 2010). Após Rachel buzinar e berrar, o motorista surta e tem um ataque de raiva. Uma simples discussão normal de um dia no trânsito acaba se tornando um pesadelo quando o motorista enlouquecido começa uma perseguição sem limites no trânsito atrás de Rachel, com o objetivo de extravasar sua fúria acumulada em cima dela e mostrar as inconsequências de um dia ruim quando não se tem respeito no trânsito.

Inicialmente, muitas pessoas conseguem se identificar com a ideia central de “Fúria Incontrolável”, assim como em “Um Dia de Fúria”, pelo fato de mostrar o que muitos passam cotidianamente em algum dia de suas vidas: estresse, trânsito caótico, emoções à flor da pele, discussões entre motoristas. Ao passo que, em “Um Dia de Fúria”, nós eventualmente nos identificamos com o personagem de Michael Douglas (de “A Sombra e a Escuridão”, 1996) pelo desgaste emocional e psicológico em que ele se encontra. Em “Fúria Incontrolável”, é justamente o contrário; nos identificamos com mais com a personagem de Rachel (pelas eventualidades do cotidiano que vivemos, tal como nos atrasar para o trabalho, pegar engarrafamento, buzinar e discutir no trânsito).

Porém, o longa em tela não fica só na ideia central: com o desenrolar da trama, o filme se mostra bem mais exagerado, violento e mais fora do normal do que realmente acontece na vida real, pois mostra como um simples ataque de raiva durante uma briga de trânsito pode se transformar em uma perseguição imprudente de vida ou morte entre 2 carros e na luta pela sobrevivência; tudo isso só para mostrar o quão brutal, estúpido e violento o ser humano pode ser e até onde ele pode chegar só para extravasar a sua incontrolável fúria.

Tudo bem, sabemos a motivação para o personagem de Crowe acumular tanta raiva, mas, diferentemente do personagem de Michael Douglas em 1993, que está fatalmente indignado com coisas plausíveis (como preços injustos e propagandas enganosas nas lanchonetes), acaba se tornando um ser violento que destrói tudo e desconta sua raiva em todos, o protagonista de “Fúria Incontrolável” simplesmente explode do nada com uma coisa que chega a ser banal, que é uma simples discussão de trânsito e desconta sua total ira na primeira pessoa que cruza seu caminho.

Ao assistir o longa, tive a simples sensação de que brigar no trânsito pode ser muito mais perigoso do que se pensa e que um carro pode se transformar em uma máquina mortal nas mãos erradas. É o máximo que se pode espremer de um roteiro aparentemente simples, mas que exagera nas consequências de atos impulsivos e na falta de empatia pelo próximo, consumidos pela agressividade do cotidiano que corrói a paciência de grande parte das pessoas que pega congestionamento no trânsito, é fechado por motos e outros carros, é xingado por outros motoristas e acaba chegando atrasado ao local de trabalho. Habitualidade esta que acontece praticamente todos os dias na vida das pessoas e, eventualmente, acaba dominando-as pela fúria de tal forma que se torna incontrolável, tornando as pessoas psicopatas que perseguem outros motoristas que buzinam para elas; o que é justamente o argumento do filme em questão.

Estudando o longa por este aspecto, também se pode dizer que o longa faz uma análise crítica social da atual situação caótica e violenta em que a sociedade está vivenciando atualmente, em que boas maneiras, empatia, bom senso e respeito são elementos que estão em falta no trânsito, onde motoristas se atropelam, um quer passar mais rápido na frente do outro, ninguém dá espaço para o próximo manobrar, ocorrem acidentes por falta de atenção e usam celular ao volante. Nesse contexto, a arte imita a vida, em que “Fúria Incontrolável” coloca os personagens além do limite e coloca o filme além da coerência, para, enfim, termos alguma ação e perseguição. Com isso, o longa foge da normalidade ao assumir atitudes anormais e brutais por causa de questões habituais.

Mesmo que “Fúria Incontrolável” apresente um pouco mais de violência e brutalidade para o tema em que se propõe a apresentar, a ideia central até que funciona, pois nós conseguimos nos identificar (até certo ponto) com as abordagens rotineiras no trânsito, mesmo que o longa tenha levado a história para além da coerência normal e habitual. Na vida real, o máximo que nós estamos acostumados a ver nos noticiários em relação às brigas de trânsito é quando um dos motoristas envolvidos está armado e dispara contra o outro motorista. Mas, em contraste, o filme em questão vale ser visto como uma análise de como o ser humano não tem limites em relação à maldade, à violência e à brutalidade; nos faz refletir o quanto é perigoso brigar e xingar sem qualquer motivo no trânsito e nos faz pensar duas vezes antes de arrumar encrenca com os outros ao volante, principalmente por motivos banais.

Fúria Incontrolável” nada mais é do que uma reflexão sobre a exteriorização (mesmo que exagerada) do comportamento humano no mundo atual na sociedade e na forma degradada como o ser humano se comporta mal em coletividade. É uma releitura do filme “Um Dia de Fúria”, que tenta abordar o mesmo tema, porém de outra perspectiva, pois este mesmo filme é atemporal, mostrando como o ser humano pode ser grosseiro, estúpido e mal educado no trânsito hoje, tal como também era 30 anos atrás.

Fúria Incontrolável” está disponível na HBO Max e Amazon Prime Video.

Nota: 8.0
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