Crítica | The Flight Attendant (HBO Max, 2020)

Kaley Cuoco entrega uma atuação brilhante em uma série de comédia inteligente e investigativa.

Eis aqui uma ótima surpresa no arrojado catálogo do HBO Max. O streaming, que chegou recentemente no Brasil e está mostrando a que veio, traz uma versátil lista de séries e entre elas está a exótica The Flight Attendant que, já em sua primeira temporada, lançada em 26 de novembro de 2020, conquistou nove indicações ao prêmio Emmy, além de preciosas indicações ao Globo de Ouro.

The Flight Attendant é uma comédia investigativa americana baseada no livro de mesmo nome de Chris Bohjalian. A série, estrelada por ninguém menos que Kaley Cuoco, conta com oito episódios e foi renovada para sua segunda temporada, que tem previsão de estreia para a primavera de 2022.

Na história conhecemos Cassie Bowden (Kaley Cuoco), uma comissária de bordo dependente de álcool, que passa a vida entre voos, muita vodca, amizades superficiais e relacionamentos sem importância. Ela se envolve com um dos passageiros de seu voo para Bangkok, Alex (Michiel Huisman, Game of Thrones), e sai com ele durante sua estada na cidade. Cassie só não esperava acordar no dia seguinte ao lado do cadáver desse rico e poderoso empresário. Confusa e sem lembranças de sua noite anterior, ela precisará montar as peças do quebra-cabeça se quiser livrar sua pele.

A série tem uma direção artística bem diferente do que estamos acostumados e arrisca ao fazer uso de alguns recursos. Pra começar, em alguns momentos de cada episódio, a tela é subdivida em múltiplos ângulos. Dessa forma, vemos uma mesma cena de várias perspectivas, ou até mesmo mais de um local/personagem ao mesmo tempo. O recurso, que de certa forma dá um tom de história em quadrinhos ao thriller, pode inicialmente incomodar, embora depois mostre sua importância e deixe sua marca.

A trilha sonora é simplesmente uma das digitais da série. Os instrumentais, que também estão presentes em sua abertura, aparecem de forma recorrente e são fundamentais para transmitir a tensão necessária nos momentos de mais mistério e confusão mental da personagem principal.

Outro recurso ousado utilizado na narrativa é a forma como a mente de Cassie é explorada, por meio de conversas com seu subconsciente que é representado na forma de Alex. As idas e vindas, bem como o caráter sombrio dos encontros súbito, chamam a atenção e são uma maneira inteligente de inserir os flashbacks da vida da comissária a fim de construir a personagem de uma forma bastante densa e contínua.

As locações do show são um espetáculo a parte. As tomadas em Bangkok e Roma são simplesmente lindas e se aproveitam dessa riquíssima possibilidade do enredo que é ter no protagonismo justamente uma comissária de bordo. A fotografia, portanto, é um acerto e destaco ainda a iluminação e as cores, que se alteram quando vemos o passado de Cassie.  A paleta muda para uma escala de cinza e as cenas mais escurecidas passam com sucesso a mensagem mais sombria e turbulenta do seu passado.

Alguns artistas serão sempre eternizados (ou até mesmo rotulados) por determinados papéis de suas carreiras, como é o caso da protagonista dessa série. Impossível não se lembrar ou se apegar à personagem icônica de Kaley Cuoco, Penny, da série The Big Bang Theory, que ficou no ar por doze anos. 

Mas se acha que ela é atriz de um papel só, esqueça. Em The Flight Attendant ela está simplesmente excepcional e mostra outras facetas por trás do seu talento. Ela encarna com competência um papel muito mais complexo, já que a carga dramática requisitada por uma personagem alcoolista, cujo passado é repleto de traumas, é intensa. E se não bastasse isso, ela consegue ainda inserir humor e ironia sem pesar a mão o que confirma que essa é uma de suas habilidades mais naturais. 

O fato de Cassie ser problemática pode não agradar a todos, em especial aqueles acostumados a acompanhar narrativas com protagonistas sempre nos moldes mais perfeitos e heroicos, no entanto, saibam que ela é o eixo da série e o incômodo que pode nos causar, também tem um caráter reflexivo e proposital.

Por falar em elenco,  um nome de destaque da série é a personagem Annie, interpretada por Zosia Mamet (Girls). Uma das poucas amigas de verdade da comissária, e que será também sua advogada, Mamet sabe explorar as diversas camadas da amizade das duas, cativa o espectador e entrega grandes momentos na série. É fácil ter empatia pela amizade das duas, e isso inclusive nos ajuda no processo de compreender e torcer por Cassie.

No elenco também temos mais um rosto familiar. T.R. Knight, que ficou famoso no papel do doutor George O'Malley de Grey's Anatomy, interpreta Davey, o irmão de Cassie.

Além da dependência química, que não é tratada de forma rasa ou deslocada, a série vai além ao trabalhar a importância de relações sólidas e mostra como traumas, às vezes ocorridos na infância, podem interferir na vida de uma pessoa. Aprendemos também sobre a importância de se fazer presente na vida do outro e como isso pode fazer a diferença para todas as partes envolvidas.

O lado policial e investigativo da série é bem dentro dos moldes já utilizados e sem grandes novidades, apesar de um ou outro plot twist interessante. A trama paralela da personagem Megan (Rosie Perez) fica completamente aleatória dentro do contexto principal e torna alguns episódios enfadonhos, embora talvez ela seja aproveitada na segunda temporada.

The Flight Attendant deixa alguns arcos em aberto e indica uma segunda temporada repleta de novos mistérios e possibilidades. No gênero comédia, ela desponta como sendo uma das melhores novidades dos últimos tempos.

Nota: 8,0