Al Ewing consegue dar uma nova camada ao vilão icônico da Marvel em um volume decente e com conceitos interessantes.
O TEXTO ABAIXO POSSUI SPOILERS
A primeira edição do volume já começa com o Loki atravessando uma espada no corpo do Thor. Essa é literalmente a primeira página. Esse é um recurso comum nos quadrinhos de super-heróis, é preciso de algo “bombástico”, por falta de um termo melhor, logo quando você abre a HQ pra lê-la. É só você pegar a primeira edição de muitos runs e minisséries e ver como a maioria começa.
Mas nesse caso parece um artifício barato. A primeira página na verdade é um flashforward, uma cena do futuro, e o resto da edição nos conta os eventos que ocorreram até a situação chegar a aquele ponto. A HQ poderia muito bem começar sem esse flashforward, que o escritor só colocou ali pra chocar e ainda por cima usa o recurso de má forma. Darei um exemplo de um flashforward bem utilizado: no piloto de Breaking Bad, vemos o Walter White, de cueca, com uma arma em mãos e depois gravando um vídeo como uma carta de despedida para a sua família, tudo nos cinco primeiros minutos do episódio, pra depois cortar pro passado e a série nos mostrar que aquele homem não era nada mais do que um simpático professor de química que tinha uma vida monótona. Como um pai de família certinho vai parar em uma situação daquelas? Esse flashforward funciona porque ele instiga o espectador a ver como a história se desenrola de um extremo pro outro sem parecer confuso.
Na HQ, o flashforward mostrando Loki “matando” Thor é falho porque isso é algo que o Loki faz todas as terças, quartas, quintas, sextas e se der tempo ele faz nos finais de semana também. O leitor, por mais pouco que conheça sobre os personagens da Marvel, sabe que o Loki é o deus da trapaça e o vilão definitivo do Thor. É um flashforward redundante e já começa mal a história.
Mas o Loki dessa história é um Loki mudado. Mesmo mantendo seu bom humor de sempre, ele está arrependido de seus pecados passados, mesmo que periodicamente ele realize suas típicas trapaças, e parece querer construir uma nova imagem para si mesmo apesar de tudo. Ele agora trabalha para Freyja, Gaea e Idunn, as deusas que governam Asgard na ausência de Odin. Loki só faz as missões delas porque ele quer que seus crimes sejam apagados dos registros asgardianos. Apesar da estrutura narrativa episódica de cada edição ser uma missão parecer a fórmula das séries da CW, a HQ tem temas que servem como fio condutor como a questão de se é possível alguém poder se livrar de seu passado completamente, que é representado pela luta entre o novo Loki e o velho Loki em carne-e-osso, esse sendo o deus da trapaça que não quer mudar.
A natureza episódica do volume não atrapalha tanto porque as edições possuem estruturas e tramas variadas. A história da segunda edição é contada por Loki para Verity, uma mulher capaz de detectar mentiras, em um encontro. A edição tem um tom de heist movie e possui algumas reviravoltas interessantes, mesmo que nem sempre sejam bastante criativas.
A terceira edição é narrada de forma Shakespeariana, típica da maioria dos quadrinhos do Thor, pelo velho Loki, e a trama segue muito bem a estrutura de um conto que você esperaria da mitologia nórdica; tem monstros, objetos mágicos, maldições, intrigas e mais. Mas o que mais me encantou na edição foi com Ewing soube brincar com a mídia da arte sequencial: um personagem sai no final de uma página e entra no início de outra, ou anda de um quadro para outro. Um recurso metanarrativo que você esperaria de um Grant Morrison, mesmo que não seja executado com a genialidade do mesmo, e que é feito de modo que combine com a história e o personagem do velho Loki, que tem a capacidade de entrar em histórias e contos e interferir neles, algo que é usado durante toda a edição de maneira bem inteligente, criando um esquema que passa a ser a ameaça central da última metade do volume.
A quarta edição é a mais fraca, apesar da participação surpresa de um certo personagem, e basicamente só serve pela preparação de terreno para a quinta e última edição deste volume. A quinta edição acerta pela mescla dos tons de heist movie da segunda edição e de conto nórdico da terceira, sendo bem divertido ler como Ewing consegue brincar com algumas convenções e contradições de ambos os estilos.
O final do volume possui uma reviravolta interessante, já no confronto esperado entre o novo Loki e o velho Loki, que traz uma ambiguidade quanto a um dos temas: se alguém é capaz de lutar contra sua própria natureza, se Loki é capaz de ser algo mais que o deus da trapaça. Ewing usa o destino, que os asgardianos aceitam mesmo que seja um importuno como o Ragnarok, como um caminho para obter a resposta. Mas tem uma parte bem meta, que usa da habilidade do velho Loki de interferir em histórias, que também provém um caminho para a resposta.
As primeiras cinco edições de Loki: Agente de Asgard, que compõe o primeiro volume, Confie em Mim, da série, é decente, tem conceitos interessantes e se renova apesar da episodicidade na estrutura. Ewing sabe escrever o personagem do Loki e constrói bem sua persona, seja a piadista ou o vilão em busca de redenção. O humor varia de bem sagaz para algumas piadas forçadas feitas na tentativa de deixar alguns personagens mais carismáticos, mas uma boa parte dos momentos cômicos funcionam e dão bastante personalidade para a história. Esse primeiro volume pode não ser a melhor obra que a Marvel publicou o que o Ewing escreveu, mas está tudo bem já que ela cumpre sua função em entreter e consegue até entregar um final corajoso.
Nota: 7,0
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