A segunda temporada de The Handmaid's Tale toca em pontos sensíveis e reafirma debates necessários, ainda que não seja impecável como a primeira.
Seguimos com a sequência de críticas especiais de The Handmaid’s Tale. A crítica de hoje é sobre a segunda temporada dessa série que contém 13 episódios. O drama da Hulu, que tem suas três primeiras temporadas disponíveis no Globoplay, terá a estreia de sua quarta temporada no dia 28 de abril. Por essa razão, se faz mais que necessário relembrarmos alguns momentos desse show vencedor de vários prêmios.
Spoiler Alert
A primeira temporada se encerra com as Aias se rebelando contra Tia Lydia (Ann Dowd), após ela ordenar que aquelas mulheres apedrejassem Janine – Ofwarren – (Madeline Brewer), que havia sobrevivido à tentativa de suicídio. O início da segunda temporada, por sua vez, é totalmente vinculado a este fato. Tia Lydia conduz as Aias a Fenway Park e a cena tem uma fotografia belíssima e de arrepiar. O impacto causado ao espectador é dos mais intensos. O objetivo ali é fazer tortura psicológica ao insinuar que elas serão enforcadas e assim calá-las, “corrigi-las” e amedrontá-las. As Aias são mais tarde torturadas fisicamente. June (Elisabeth Moss), devido à gravidez, é de certa forma poupada, porém é forçada a assistir àquelas cenas vis.
Temos então mais uma tentativa de fuga de June, na ocasião em que ela é levada a um médico para avaliar como está a gravidez. É importante frisar que essa dinâmica de “tentar fugir” vai se repetir por algumas vezes no decorrer da série e, por isso, pode ser um pouco exaustiva ao espectador. No entanto, se analisarmos bem a situação, quem não tentaria por inúmeras vezes se ver livre daquele regime violento? Seria pouco plausível imaginar alguém que não tentasse isso, ou até que conseguisse sua liberdade já em uma primeira tentativa.
Mesmo com a ajuda de Nick (Max Minghella) e alguns aliados, June acaba sendo capturada novamente, dessa vez quando está a bordo do avião. De volta, não lhe restam muitas opções a não ser retornar ao lar dos Waterford como Aia. A partir daí, o show começa a apresentar vários flashbacks da vida de June. Alguns mostram a mãe da personagem, uma mulher extremamente feminista e ativista, que desaprova o desejo da filha de se tornar uma esposa e mãe de família. Outros mostram como foi que June conheceu Luke (O.T. Fagbenle), seu esposo. O ritmo da série cai nesse meio de temporada, em especial, porque nem sempre tal lembrança tem de fato relevância pra história central, dando a impressão de ser mais uma barriga de roteiro.
Nos episódios finais da temporada a trama alavanca novamente. June reencontra mesmo que brevemente Hannah (Jordana Blake) e temos um dos momentos mais emocionantes da temporada. Impossível segurar as lágrimas. June mais tarde dá luz a bebê, em uma cena que novamente demonstra o talento acima da curva de Elisabeth Moss, que além de atriz, também é produtora da série. Ela não consegue fugir com sua filha, apesar de seu esforço, e se apega na possibilidade de que ainda tem tempo hábil para tentar novamente, já que terá que permanecer com os Waterford por mais um tempo devido a amamentação.
Um dos pontos mais interessantes da segunda temporada é a possibilidade de conhecermos um outro lado de Gillead. Somos finalmente apresentados a uma das colônias, local onde mulheres inférteis capturadas pelo regime são direcionadas para cuidarem de um solo que é extremamente tóxico. Emily (Alexis Bledel) é quem nos conecta a esse novo local e é possível sentir o fardo e a dor carregados por essa personagem desde os trágicos eventos da temporada anterior. Flashbacks nos contam como foi a vida dela antes de Gillead e descobrimos que ela foi afastada da esposa e filho. E é nas locações das colônias que temos uma fotografia que chama a atenção e que nos arrepia por lembrar completamente um campo de concentração. Vemos mulheres morrendo de fome, por doença. Vemos tudo, exceto humanidade.
Após um atentado a bomba e a morte de dezenas de comandantes e Aias, em uma cena graficamente muito bem feita, Emily é reconduzida como Aia. Ela passa por diversas famílias até cair na casa de um dos fundadores do regime, o comandante Lawrence (Bradley Whitford). A trama desse comandante com sua esposa Eleanor (Julie Dretzei), que está mentalmente instável, é mais um arco desinteressante e desgastante. Por sorte, Emily está inserida ali e protagoniza um dos auges da temporada que é a apunhalada em Tia Lydia.
Falando ainda em barrigas de roteiro, há o desenvolvimento de uma trama paralela envolvendo Eden (Sydney Sweeney), esposa de Nick, e Isaac (Rohan Mead), homem pelo qual ela se apaixona, já que Nick não consegue se relacionar verdadeiramente com ela, pois ama June. Pensa numa trama dispensável... Percebe-se que o objetivo único é mostrar mais uma via de punição em Gillead (os dois são punidos com a morte, por traição) e que tudo acontece por plena convenção de roteiro. Seria muito mais fácil reduzir a temporada para os 10 episódios, como foi a primeira e evitar plots desnecessários.
Não dá pra negar que nessa temporada há um crescimento exponencial da personagem Serena (Yvonne Strahovski). Em uma missão diplomática ao Canadá ela recebe a proposta de desertar, desde que entregue todas as informações sobre o regime de Gillead. Ela nega veementemente. Os flashbacks da personagem são chocantes. Você descobre que ela, MULHER, era um escritora bem sucedida e foi a cabeça por trás da implantação de um regime MISÓGINO e complemente machista. E agora ela está numa posição de submissão e sofre com as consequências de suas escolhas.
Mas algo em Serena está despertando. Pela primeira vez ela bate de frente com Waterford (Joseph Fiennes) e inclusive é punida por isso. No episódio final ela tem o dedo removido por propor que mulheres aprendam a ler (pensando assim no futuro da filha de June, que ela sente como se fosse sua filha) e essa é uma das cenas mais marcantes. É interessante como June aos poucos vai descobrindo formas de entrar na cabeça de Serena, principalmente porque ela está envolvida emocionalmente com a criança, quer o bem dela, e no fundo sabe que naquele regime mulheres não têm oportunidades.
E nunca é tarde para mais uma tentativa de fuga de June, arquitetada com auxílio do comandante Lawrence. E nos frustramos ao perceber que nossa protagonista opta por não ir e manda sua bebê com Emily, uma vez que ela escolhe ficar para tentar resgatar sua outra filha, Hannah. Que mães fazem sacrifícios, nós sabemos. Mas será que de fato, ela de dentro tem mais forças do que se ela tivesse saído e organizado uma frente mais eficaz?
Não dá pra negar que a segunda temporada não é tão impecável quanto a primeira, no entanto, ela se faz tão necessária quanto, ao abordar pontos sensíveis e importantes no debate social. Mesmo com um roteiro menos bem acabado, é possível aprender com as lições de resiliência e luta da série.
Nota: 8,0
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