Novo filme de Thomas Vintenberg explora a imperfeição humana sob a perspectiva do alcoolismo, numa obra que é o perfeito equilíbrio entre comédia e drama.

Lidar com fracasso da vida é um dos piores sentimentos que o ser humano pode experienciar na sociedade, pois somos cobrados a ser bem sucedidos, comunicativos e atentos a todos os momentos do dia. Quando isso não ocorre, se inicia um distanciamento da realidade no qual a pessoa se torna apática e não liga para casamento, família, filhos, emprego ou saúde.

E é justamente disso que 'Druk - Mais uma Rodada' fala sobre, durante 1h57min, o diretor Thomas Vintenberg conta a história de Martin (Mads Mikkelsen), um professor norueguês de história que não consegue demonstrar seus sentimentos com sua esposa e filhos. Ele também enfrenta problemas no trabalho, pois seus alunos reclamam de suas aulas desleixadas e pouco interessadas.

Durante um jantar para comemorar o aniversário de um amigo professor, uma discussão se inicia sobre as ideias do filósofo norueguês Finn Skårderud. Ele afirma que os seres humanos nascem com um déficit de 0,05% de álcool no sangue e que beber essa quantidade por dia pode levar a uma vida mais feliz e prazerosa. Inicialmente céticos, o quarteto de amigos começa a experimentar a teoria e sentem uma melhoria considerável em suas vidas pessoais e profissionais.

Essa premissa inicial é muito conduzida por Vintenberg, existe um claro contraste entre os personagens no início da projeção até o final, o que é refletido na própria direção. O mundo pacato dos protagonistas é sempre retratado como sufocante pela câmera, as cenas dão um foco especial no rosto dos personagens, passando o sentimento de desgosto, tristeza e vazio. Quando o experimento alcoólico se inicia, tudo muda, os ângulos das cenas são mais amplos, indicando um maior relaxamento e liberdade.

A atuação de Mads Mikkelsen é algo fora do mundo nesse filme, pois ele faz três versões diferentes de Martin, a introspectiva (sóbrio), a sociável (bêbado) e a que fica no limiar de ambas (ressaca). No estado sóbrio, o protagonista aparenta uma grande dor interna, perceptível por seu semblante fechado. Quando finalmente ele solta seus sentimentos, vira uma pessoa completamente distinta, ganha mais confiança, atitude e carisma.

O roteiro da obra merece aplausos pela condução lógica dos eventos, foi feita uma ótima pesquisa sobre os efeitos do álcool no organismo humano e isso é usado na narrativa para indicar o estado de evolução (ou degradação) dos personagens. Quando os efeitos do uso excessivo do álcool começam a surgir, uma montagem hábil destaca as dificuldades de fala, mobilidade e as consequências pessoais. A direção habilmente usa o close no rosto dos personagens para indicar quando eles desesperadamente querem beber.

Os diálogos também merecem um reconhecimento, todas as conversas do quarteto são bem escritas e vendem bem para o público o laço afetivo que eles possuem. Meu único problema com o texto foi a aceleração dos eventos na transição do meio para o final, a decadência dos protagonistas foi muito rápida, faltou uma sutileza na construção dos problemas pessoais que o álcool trouxe às vidas deles.

O tom da obra também merece elogios, são poucos os filmes que contam uma história com temática séria de forma tão divertida. Durante as cenas de bebedeira, se sente uma vontade de estar no local e aproveitar o clima de diversão, ajuda também o fato dos personagens principais serem bem carismáticos. É raro todos os membros de um grupo terem destaque, mas aqui, o texto acha um espaço para que Tommy (Thomas Bo Larsen), Nikolaj (Magnus Millang) e Peter (Lars Ranthe) tenham suas histórias contadas, o trio de atores que os interpretam estão muito bem.

Por fim, devo elogiar o excelente trabalho na escolha da trilha sonora, as músicas casam perfeitamente nas cenas e ajudam na construção de um clima festivo. O uso do silêncio em cenas mais dramáticas mostrou-se uma escolha acertada da direção, permitindo que a imagem e os atores sejam o foco do público.

A mensagem da obra pode parecer confusa para alguns, mas, no contexto, funciona bem, afinal abraçar a imperfeição é algo que todo ser humano precisa fazer. Toda a jornada do filme foi sobre encarar o abismo, tentar não cair nele, falhando, mas valorizando a lição apreendida para seguir com a vida.

'Druk- Mais uma Rodada' é um forte candidato ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar e merece a vitória.

Nota: 9,0

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