Crítica | Pieces of a Woman (Netflix, 2020)

 
"Pieces of a Woman" conquista pelo show de atuação de Vanessa Kirby. Será que vem Oscar por aí?

Pieces of a Woman é um drama dirigido por Kornél Mundruczó, que tem Kata Wéber como responsável pelo roteiro e o grande Martin Scorsese em sua produção executiva. Sua estreia se deu no dia 4 de setembro de 2020, no 77º Festival Internacional de Cinema de Veneza, e após um breve lançamento nos cinemas, ele chegou ao catálogo da Netflix no dia 07 de janeiro de 2021.

O longa retrata a história de Martha (Vanessa Kirby) e Sean Carson (Shia LaBeouf) que estão prestes a ter a primeira filha do casal. Ansiosos pela chegada da tão esperada bebê, eles fazem todos os preparativos necessários para que o parto aconteça em casa. De última hora, a parteira contratada encaminha uma outra pessoa em seu lugar e é a partir daí que as coisas começam a sair dos trilhos. Em vez de ser um momento glorioso e único, Martha sente dores excruciantes, os batimentos do bebê, que inicialmente eram fortes, ficam cada vez mais fracos e o que era para ser um sonho se torna um verdadeiro pesadelo.

O parto natural humanizado realizado em casa já esteve presente em alguns filmes. Em Plano B (2010), por exemplo, filme estrelado por Jennifer Lopez, assistimos a uma das personagens dar a luz em uma piscina, de uma forma divertida e caricata. Na cena a mulher sente dores, como visto na maioria dos partos retratados no cinema, e nada mais do que isso. No caso de Plano B, o desfecho foi o nascimento de um lindo e perfeito bebê. Pieces of a Woman, no entanto, ousa explorar o outro lado desse tipo de concepção. Sem dúvida, o lado menos glamoroso, que é exatamente quando as coisas saem bem diferente do planejado. Na trama escrita por Kata Wéber, o desfecho é a dolorosa morte da filha do casal. E não se preocupe que isso não é spoiler, mas sim a sinopse. Haja vista que o desenrolar da história se inicia a partir desse "despedaçar". 

(Lembrando sempre que QUALQUER modalidade de parto pode apresentar complicações!)

Após a tragédia, acompanhamos o casal lidando com o luto e a passagem temporal é algo que o filme faz questão de frisar, usando como elemento visual uma ponte em construção. Afinal, não existe um tempo pré-determinado para o luto. Cada pessoa digere isso à sua maneira. É interessante destacar que Martha e Sean vivem a dor da perda de uma forma distinta, porém ambos sentem o impacto profundamente. Apesar do título, Pieces of a Woman, que em sua tradução literal significa "Pedaços de uma Mulher", vale a pena enfatizar que ela não é a única em sofrimento pela perda.

O casamento vai aos poucos desmoronando, uma vez que as marcas deixadas são muitas e difíceis de transpor. Seria a culpa toda da parteira? Ou de Martha, por insistir em realizar o parto em casa, mesmo quando lhe foi recomendado o contrário? Tais questionamentos remoem e agravam o pesar, dificultando a superação. O caso vai parar na justiça, devido a interferência da mãe de Martha, Elizabeth, interpretada pela brilhante Ellen Burstyn e a mulher responsável pelo parto, Sra. Woodward (Molly Parker), vai a julgamento. 

Os primeiros 40 minutos do filme são intensos e angustiantes. A cena do trabalho de parto e do parto em si foram extremamente bem feitas e muito bem filmadas. Quase não se tem cortes e o bom posicionamento das câmeras transferem a tensão sentida pelos personagens, criando a atmosfera de desespero com precisão, enquanto assistimos o que acontece nos diferentes cômodos da casa. 

A atuação excepcional de Vanessa Kirby é o grande espetáculo aqui. É tão excepcional que, quem é mulher e ainda não teve filhos, mas deseja tê-los, pensará bem na hora de escolher como e onde terá a criança rs. Não era de se esperar menos. Vanessa fez sucesso ao interpretar a Princesa Margareth nas duas primeiras temporadas da série The Crown, roubando para si o protagonismo em vários episódios, o que lhe rendeu o BAFTA como melhor atriz coadjuvante. Em Pieces of a Woman, ela encara sua primeira protagonista e não decepciona, ao interpretar seu papel de forma visceral, com uma fórmula própria, diferente do visto em outros filmes que tratam da superação do luto. Sua personagem Martha varia de cenas mais introspectivas e reflexivas, enquanto diz muito no gestual e com olhares, a momentos explosivos e que emocionam. Vale ressaltar que a atriz já levou o Copa Volpi de Melhor Atriz por esse filme e não me surpreenderia uma merecida indicação ao Oscar pelo papel.

Shia LaBeouf entrega uma boa atuação. Mas não dá pra falar dele sem mencionar o mais recente escândalo envolvendo o ator. Em meio ao lançamento desse filme, veio à tona a notícia de que LaBeouf está respondendo a acusações de abuso em um processo movido por sua ex-namorada e que segue em andamento.  Isso prejudicará o filme? Provavelmente. Só esperamos que a justiça seja feita e  que abusadores sejam punidos, sendo eles famosos ou não. Seu personagem Sean protagoniza algumas cenas de abuso na trama, então vale aqui o alerta gatilho aos que forem assistir. 

A partir da primeira hora de filme, vemos uma queda de ritmo, típica de dramas familiares, que é compensada sobretudo pela meticulosidade das atuações e algumas cenas muito bem roteirizadas. Destaco aqui um diálogo intenso entre mãe e filha, quando a família toda está reunida. Kirby e Burstyn fazem qualquer um arrepiar se quando contracenam juntas. Devo dizer que se o filme tivesse conseguido manter o brilhantismo do começo, certamente ele teria recebido a nota 10.

Pieces of a Woman não é um filme que cairá no gosto de todos. Mas para você que aprecia algo mais artístico, requintado e denso, não vai se arrepender. É definitivamente um espetáculo de atuações e é bem a cara do Oscar. Sinto cheiro de prêmios vindo aí.

 

Nota: 8,0